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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Análise das Relações Económicas no Mundo Lusófono - A Economia Brasileira

A Economia Brasileira

Breve contextualização histórica
Ao pensarmos a evolução da economia brasileira, especialmente no último quartel do século XX, é indispensável tomarmos em atenção a preciosa contribuição que o autor Borges Macedo elabora na sua obra As Relações Luso-Brasileiras: Uma década de expansão das relações económicas, 1992-2002. Nela nos basearemos para referirmos os marcos mais importantes que caracterizam a economia brasileira até ao presente.
Como o próprio autor indica, o Brasil sofreu uma evolução atípica àquela dos restantes países Sul-Americanos: enquanto podemos observar uma constante e gradual abertura das várias economias ao mercado internacional, o Brasil testemunhou períodos de estagnação, e outros tantos de recessão nessa mesma abertura ao exterior (ver Anexo 2.VI). São de apontar diversos factores que contribuíram para esse fenómeno, mas aquele que se torna premente em qualquer análise conjuntural regional da América do Sul, teremos necessariamente que entender o peso económico, demográfico e territorial que o Brasil representa. Desta forma, esse crescente encerramento das suas fronteiras e permeabilidade dá-se sobretudo ao nível do crescimento do mercado interno, que ao ganhar mais relevância, estabilidade e índices de produtividade e riqueza, permite-lhes um maior afastamento em relação às suas dependências sócio-económicas com o exterior. O objectivo tendencialmente manifestado é aquele de procurar um equilíbrio na balança de pagamentos pelo investimento na infra-estrutura económica nacional em matérias basilares nos três sectores económicos (ver Anexos 2.IX e 2.X), enquanto que se procede simultaneamente à negociação da sua enorme dívida externa, e substituição de importações por produção interna.
No entanto, a linha de crescimento económico do Brasil ao longo de todo o século XX nem sempre demonstrou a estabilidade que em outro caso poderíamos prever para uma economia com as suas potencialidades. Muito embora seja frequentemente referido como o país cuja economia foi a segunda que mais cresceu em todo o século (ver Anexo 2.V), foi pautada por períodos de considerável instabilidade e perdas de recursos humanos e económicos. Desde logo apontaríamos as consequências que as Guerras Mundiais trouxeram para este sub-continente, dispersando as atenções do grande gigante económico do Norte, os EUA, para outras regiões económicas de maior confluência. Com efeito, a maioria dos projectos de integração Sul-Americanos resultam de um conluio das vontades privadas dos vários Estados que, perante situações de graves dependências externas e fracos desempenhos económicos internos, são forçados e procurar ao nível regional um tipo de enquadramento de relações que lhes permitam reduzir dependências com economias exteriores ao sub-continente, e assim estimularem uma esfera de co-prosperidade assistida e cooperante como forma de combater um subdesenvolvimento crónico (ver Anexo 2.VIII).
Com a Grande Depressão de 1929, o Brasil sofreu aquele que seria o primeiro grande impulso em direcção à industrialização e subsequente internacionalização dos seus mercados em outros sectores que não o agrário. Face a um crescimento da indústria e serviços, rapidamente potenciou os seus índices de crescimento para valores acima dos 5% ao ano.
Desta forma, enquanto o Brasil e restantes países lucraram marginalmente com os sucessivos avanços do processo designado por globalização, sofreram em muito maior grau as recessões que esse processo enfrentou ao longo dos tempos, forçando-os pois a estabelecer mecanismos de amortecimento que lhes permitissem assegurar um nível mínimo de sustentabilidade aos seus projectos económicos, mesmo que bilateralmente.
Não obstante, e para além das Guerras Mundiais, a instauração de um regime ditatorial em 1960, resultado de uma séria instabilidade político-económica nacional, vem representar um período de especial importância na história económica brasileira. Como indica o mesmo autor, a própria doutrina do regime assentava numa preponderância do nacionalismo, assim contribuindo para a fomentação de um espírito de sistema encerrado sobre si mesmo, o que resultou num exacerbar dessa tendência isolacionista brasileira (ver Anexo 2.I, 2.II e 2.III). E de facto, assim foi até à queda do regime em 1985, findo o qual observamos uma evolução em direcção a uma economia de mercado neo-liberal, com sucessos ao nível da negociação da dívida externa, afirmação da estrutura económica nacional tanto ao nível doméstico como regional, e inclusive de um começo de projecção de alguma influência económica sobre o hemisfério Sul, com diálogos a serem estabelecidos em vários países africanos, nomeadamente aqueles que possuem recursos energéticos vitais ao crescimento económico. Assim, tudo aponta para uma maior participação e integração no sistema económico mundial, e emergência da importância da sua economia para o mesmo.

Caracterização das potencialidades e vulnerabilidades
O Brasil é o quinto maior país do mundo em superfície, que por si só representa uma potencialidade ímpar na forma como se insere na economia mundial. Ocupando cerca de 45% de todo o território da América do Sul, apresentando simultaneamente a população mais numerosa, é um actor regional incontornável e uma potência mundial emergente. Em termos numéricos, possui sensivelmente 190 milhões de habitantes, 50% dos quais se encontram laboralmente aptos a desenvolver actividades produtivas, o que nominalmente se traduz por 97,7 milhões.
Na sua dimensão geográfica, ocupa 8,5 milhões de km2, possuindo contudo uma área arável muito reduzida, sobretudo devido à legislação existente que visa a protecção do património mundial da Amazónia, isto é, na ordem dos 7%. Em termos marítimos detém uma fronteira marítima de 7,5 mil km, representando geopoliticamente a potência charneira de todo o Atlântico Sul. Em matérias de recursos naturais, são abundantes o petróleo, ferro, fosfatos, madeira, bauxite, ouro, e cobre (ver Anexo 2.XI).
Na esfera económica, possui um Produto Interno Bruto (PIB) em paridade de poder de compra de uns impressionantes $1.655 triliões, embora o PIB per capita não ultrapasse $8,800. O sector de maior produtividade é o de serviços, com 65% do total, situando-se as indústrias em segundo lugar com 30% e, finalmente, a agricultura com 5%. O seu crescimento anual médio, em comparação com o PIB real é de 3,7% (ver Anexo 2.XII).
Em suma, assistimos a um conjunto de sinais contraditórios que ora puxam o Brasil para níveis e índices de produtividade semelhantes aos dos países ditos desenvolvidos, ora partilha de um conjunto de factores menos satisfatórios e aproxima-se daqueles em desenvolvimento. Por outras palavras, enquanto que o seu PIB em poder de compra é considerável, o seu PIB per capita é deveras reduzido. O mesmo poderíamos referir da sua taxa de crescimento, que à partida afigurava uma posição de grande bem-estar e prosperidade, mas que é, grosso modo, responsável pela amortização da dívida pública, representando 46% de todo o PIB.
Não é, portanto, descomprometida a classificação enquanto potência emergente com expectativa de adquirir uma maior preponderância e participação na economia mundial caso continue a mostrar sinais de reforma e inovação que permitam uma maior influência no contexto regional, especialmente no âmbito do Mercosul, assim como em todo o Atlântico Sul e, subsequentemente, no mundo. Com efeito, existem três níveis de análise que deveremos tomar em consideração enquanto pensamos a inserção económica do Brasil. Por um lado, e bem exemplificado pelas sucessivas iniciativas do Presidente Lula da Silva, é uma das principais prioridades nacionais a consolidação de uma economia em crescimento contínuo e respeitável, a partir da qual se poderá proceder à estabilização/redução da taxa de inflação, da taxa de juro, e subsequente amortização da dívida pública que ocupa uma porção substancial do seu PIB. Consequentemente, necessita ainda de estimular a construção de infra-estruturas numa rede nacional alargada que facilite a comunicação entre os grandes centros urbanos, e entre estes e as zonas rurais, para que se crie um diálogo mais eficiente entre realidades económicas díspares, aproveitando simultaneamente potencialidades particulares de cada Estado em proveito de outros.
Não sem as suas diferenças, o processo de desenvolvimento brasileiro poderá ser comparado àquele da China, na medida em que existem centros de capitalismo e produção de grande riqueza que tomam a dianteira na actualização do sistema económico brasileiro num mundo globalizado, enquanto se procuram encontrar políticas macroeconómicas que ajudem a uma melhor coesão e eficácia dos diversos quadrantes económicos internos, estabilizando e permitindo o crescimento dos mercados para posterior aquisição de vantagens negociais de valor acrescentado em matérias de investimentos, balança de capitais, balança comercial, taxas cambiais, etc.
Em segundo lugar, o Brasil prossegue ainda uma política marcadamente regional na forma como enceta os seus esforços multilaterais e bilaterais internacionais ao longo da última década. Sendo um de dois pólos locomotores do bloco regional de integração Mercosul (ou Mercado do Sul), juntamente com a Argentina, o Brasil esforça-se por transformar as suas inerentes potencialidades económicas em influência político-económica de jure em cooperação com os seus vizinhos regionais, instrumentalizando as vulnerabilidades destes em benefício recíproco. Isto é, tendo como referência a existência da maior dívida regional do mundo, ultrapassando inclusive aquela existente em toda a África Sub-Sahariana, a América do Sul enfrenta múltiplos desafios no seu caminho em direcção ao desenvolvimento e prosperidade. Contudo, diversos países contribuem de diversas formas, por vezes unilateralmente, outras multilateralmente, fazendo-se valer das suas potencialidades para potenciar os seus lucros através da necessidade derivada das vulnerabilidades dos restantes países. Nesta óptica, não só representa o Mercosul um marco incontornável em todos os fluxos comerciais deste sub-continente, como o próprio Brasil é ele próprio responsável em grande parte pela dinâmica positiva que este bloco representa em todas as Américas. Assim, graças aos seus relativos avanços no sector dos serviços, e não só, consegue projectar a sua influência num contexto regional alargado, e assim contribuir para a aceleração do seu crescimento (ver Anexo 2.IV).
Para finalizar, o terceiro nível de análise respeita toda a comunidade internacional como o espaço geográfico não abrangido pela América do Sul, e dentro deste, as potências mundiais e aquelas em ascensão. Como todo o país com uma agenda internacional, o Brasil procura junto de outros importantes actores económicos internacionais o estabelecimento de laços de cooperação que permitam uma maior diversificação das suas importações e exportações, à medida que atrai IDI e estimula a internacionalização dos agentes económicos nacionais. Nesta lógica podemos interpretar as suas interdependências comerciais com países como os Estados Unidos da América (17.8% exportações; 16.2% importações), a Argentina (8.5% exportações; 8.8% importações), China (6.1% exportações; 8.7% importações), a União Europeia (10% exportações; 8% importações), entre outros.

Um novo “petropopulismo”?
O termo “petropopulismo” tem sido comummente referido na caracterização da condução da política externa venezuelana sob a governação do Presidente Hugo Chávez. De forma sucinta, o petropopulismo diz respeito a um regime de governação interna que assenta sobretudo na construção de uma realidade virtual de bem-estar e prosperidade, assente em divisas da produção e comercialização de petróleo em mercados internacionais sem que, com isso, se contribua substancialmente para um investimento de fundo nas infra-estruturas sócio-económicas e políticas do país. Na figura de Chávez, o petropopulismo assume-se ainda como uma corrente de política externa desafiadora do status quo mas que, contudo, não lhe é uma ameaça prioritária nem pretende uma completa substituição.
Com efeito, é este o cenário que podemos observar na Venezuela, país cuja participação na Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), devido às suas enormes reservas petrolíferas e capacidade de extracção e produção, lhe reconhece um estatuto de certa forma privilegiado pela dependência que os restantes países da comunidade internacional partilham em relação à sua vantagem estratégico-energética. Não obstante, continuamos a observar uma fraca sustentabilidade económica extra-petrolífera, na qual subsistem altos índices de desemprego, de corrupção, aliando-se a deficiências nos sectores agrícola e de serviços, ao nível de investimentos e taxas de poupança, etc (ver Anexo 2.VII).
Por conseguinte, o novo petropopulismo relacionar-se-ia com a utilização da vantagem económica assente na energia petrolífera para atrair enormes quantidades de capital e investimento estrangeiro para sustentar a curto-médio prazo projectos reformistas e expansionistas no contexto regional e transregional em apreço. Caso se comprove a capacidade das jazidas brasileiras em abastecer a economia doméstica e ainda a permitir a exportação de petróleo, certamente que a dinâmica conferida ao Mercosul melhoraria tremendamente não só em termos quantitativos como qualitativos, permitindo ao Brasil a consagração enquanto potência regional efectiva e sem rivais imediatos, favorecendo a delimitação de outros interesses estratégicos exteriores à América do Sul, cujos recentes avanços diplomáticos deixam antever o fomento a um diálogo no Atlântico Sul, não só com outros países lusófonos como Angola, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, como também com a referência económica da Nigéria, as potencialidades do Congo e África do Sul, e demais actores regionais africanos.
A lógica de contestação do status quo seria decididamente contraproducente face à possível prossecução deste objectivo estratégico, como aquela em decurso pelo “Chavismo”, mas a adopção moderada de uma economia que obtém grandes lucros provenientes da indústria petrolífera seria, indubitavelmente, uma vantagem à qual Brasília não poderia virar as costas.Para o mundo lusófono, ademais, as potencialidades provariam ser extremamente beneficiadoras de crescimentos económicos em consolidação, nomeadamente entre os países africanos, mas que para Portugal poderia significar uma vantagem de valor acrescido face aos seus parceiros europeus, cujos interesses recaíram expectavelmente nas mesmas potencialidades. Abstendo-se de um papel paternalista, que muitos jornalistas têm vindo a designar como a natureza dos interesses portugueses no Brasil, os lucros mútuos que poderiam advir da obtenção de uma preponderância nas relações energéticas Brasil-UE estimulariam a economia portuguesa a sair da sua crise, que aliás parece espalhar-se a toda a União, estimulando o diálogo em eixo Brasília-Lisboa-Bruxelas.

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