Quem eu sou?

Como não tenho o dom de ler pensamentos, me preocupo somente em ser amigo e não saber quem é inimigo. Pois assim, consigo apertar a mão de quem me odeia e ajudar a quem não faria por mim o mesmo.
Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo.


quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A crise passada a limpo

Foi realizado o primeiro debate do ciclo Visões da crise, promovido pelo Instituto Ciência Hoje. O evento discutiu a crise política que se abateu sobre o Brasil nos últimos meses, a partir do olhar de três cientistas sociais: o historiador José Murilo de Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o sociólogo Luis Werneck Vianna e o cientista político Renato Lessa, professores do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).
Os participantes discutiram as origens da crise, a maneira como ela afeta a democracia brasileira e o futuro de nosso sistema político. O evento é o primeiro de uma série que pretende promover entre pesquisadores e a sociedade o debate de questões da ordem do dia da realidade brasileira.
Um consenso surgiu da reflexão dos três debatedores: a corrupção não é um diferencial da crise atual, mas um dado crônico do sistema político brasileiro. Para ilustrar esse argumento, José Murilo de Carvalho iniciou sua apresentação lendo um artigo que ele escrevera sobre casos de corrupção que vieram à tona durante o governo José Sarney. Apesar dos quase vinte anos que separam os dois episódios, o artigo parecia ter sido escrito para um jornal atual.
Carvalho atribui em parte a existência da corrupção ao caráter patrimonial do Estado brasileiro, que leva a um apagamento da distinção entre as esferas pública e privada. “Essa mistura continua até hoje entre nós, essa relação promíscua em que os particulares vêem o Estado como uma fonte de benesses, confundindo a moral privada com a ética pública”, diagnosticou.
Na opinião do historiador, os especialistas falharam ao não antecipar a eclosão da crise. “É uma humilhação para nós, cientistas sociais, que não tenhamos previsto esse tipo de crise – assim como não havíamos previsto o golpe de 1964.”
Luis Werneck Vianna reconheceu a impotência dos intelectuais diante de um quadro que ele caracterizou de forma muito pessimista. "Degradou-se o espaço republicano, desencantou-se a juventude com a vida pública", afirmou. "O que temos diante de nós é terra arrasada, calcinada, um deserto de idéias. Como é que vamos aceitar partidos depois dessa falência institucional do sistema partidário brasileiro? Como é que vamos revalorizar o congresso depois desse abastardamento? Ninguém sabe."
Na análise de Renato Lessa, os acontecimentos recentes refletem a ausência de diálogo entre o Congresso e a sociedade, característica da vida política brasileira desde o regime militar. “O que temos é uma crise de representação política”, avalia. “O Congresso privilegia sua relação com o poder executivo, em detrimento de sua relação com a sociedade. Muitos parlamentares são representantes de si mesmos e agem como empresários à disposição de negócios, individuais ou no atacado.”
Os participantes avaliaram ainda em que medida a crise pode contribuir para um amadurecimento institucional do sistema político brasileiro. “Quem sabe sairemos mais experientes e sábios dessa difícil jornada para construir um sistema democrático”, afirmou José Murilo de Carvalho. “Afinal, ainda somos aprendizes. No Brasil, o povo só entrou na política em números significativos após 1945, e esse processo foi interrompido entre 1964 e 1985. Outros países levaram alguns séculos para consolidar esse sistema”, comparou.
Seja qual for a saída política para a crise atual, é importante que ela não monopolize a atenção dos parlamentares nem congele discussões fundamentais para o futuro do país. “A sociedade tem uma agenda gravíssima de questões substantivas que não estão sendo tocadas adiante em função da crise”, denuncia Renato Lessa. “O debate sobre pontos cruciais como a reforma universitária, a reforma fiscal ou a regulação das águas está totalmente parado.”


Bernardo Esteves - Ciência Hoje On-line

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