Quem eu sou?

Como não tenho o dom de ler pensamentos, me preocupo somente em ser amigo e não saber quem é inimigo. Pois assim, consigo apertar a mão de quem me odeia e ajudar a quem não faria por mim o mesmo.
Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mercosul: Integração Regional e Globalização

Mercosul: Integração Regional e Globalização
Fernando Augusto Albuquerque Mourão
Professor Titular da USP
Prefácio
O livro que ora apresento se impõe por si. Faz parte de um processo de reflexão do qual já resultaram vários estudos sobre a União Européia, o Mercosul e as relações entre as duas instituições, organizados e concebidos pelo Professor Paulo Borba Casella.
O tema da integração regional e da globalização, visto de uma ótica sistêmica, lembra-nos os dizeres que aparecem nas tabuletas que chamam a atenção em áreas em obras: homens trabalhando. Estamos diante de um processo que vem acontecendo, como no caso da Europa, há mais de quatro décadas: da fase de uma Europa econômica à de uma Europa política, testemunharam-se necessidades e óbices de uma engenharia que se apelidou de Europa de geometria variável, Europa a duas velocidades, Europa a la carte. A Europa a duas velocidades refletiu o ritmo dos processos integrativos, aceitando, contudo, o primado de que os objetivos da UE deviam ser respeitados mutuamente; a Europa a la carte permitia aos Estados optar ou não pela adesão às disposições comunitárias; na perspectiva da Europa de geometria variável, nem todos os Estados participaram das mesmas ações. Num arranjo possível dos subsistemas internacionais, enfatizou-se ora o fator econômico-financeiro, ora o fator estratégico; às vezes o fator político, outras vezes o social e o cultural. Hoje, a Europa dos Cidadãos — regida pelo princípio estruturador da economia do livre-comércio, da política democrática, de aspectos sociais solidários — é o resultado de uma vontade política gradual, da qual resultaram o Tratado da CECA (1951), o Tratado de Roma (1957), o Ato Único (1987). Tudo isso deu lugar ao Mercado Único (1993) e avançou para a União Econômica e Monetária e para a União Política, os Acordos de Maastrich (1991), o Tratado de Maastrich (1992, nascendo a União Européia em 1º/1/93) e, numa clara linha de revisão constante dos atos, o Tratado de Amsterdã (1997), tido como uma primeira revisão do Tratado de Maastrich, a par de uma ação criativa do Tribunal de Justiça, que, paulatinamente, foi criando uma jurisprudência comunitária que consagrou inter alia a aplicabilidade direta das disposições do Direito Comunitário, vencendo as resistências nacionais dos países-membros.
Já se estava sentindo a falta de uma reflexão em torno das relações entre a globalização e a regionalização, quer no sentido da operacionalização, quer no sentido da ordenação na perspectiva de uma caminhada de mudanças, mutações para alguns, com vistas não ao homem ideal, mas à cidadania do possível. No mundo flutuante no qual nos inserimos, é bom não perder de vista, entre os fatores estruturantes da globalização e de regionalização, os objetivos de uma cidadania do possível, o que certamente teria levado Paulo Borba Casella a introduzir o capítulo Da Constituição dirigente, ao direito comunitário dirigente, do mestre coimbrão José Joaquim Gomes Canotilho, pondo-se em evidência a captação dos fatores reais e os encaminhamentos de ordem jurídica. Objetividade e um esforço intelectual de melhor compreender as mudanças ou, melhor dizendo, o encaminhamento para as mudanças, num cenário regional, são uma preocupação central nesta obra coletiva, uma reflexão a um desafio.
A desregulamentação em várias áreas, preconizada pela OCDE, num mundo globalizado, impõe novos arranjos do ordenamento jurídico que, segundo Norberto Bobbio, para além de ser uma unidade, constitui um sistema, neste caso um sistema aberto que implica em capacidade de adaptação.
O Mercosul, constituído por meio do Tratado de Assunção (1991), após uma fase de transição que vai até o final de 1994, não só tem ainda um longo caminho a percorrer, fases a serem vencidas, como os seus parceiros, mesmo os maiores, não dispõem da capacidade financeira dos principais membros da União Européia. Cabe salientar o destaque que a imprensa sul-americana vem dando às dificuldades e conflitos surgidos no relacionamento interno no Mercosul, principalmente entre a Argentina e o Brasil, anunciando, de forma catastrófica, esses acontecimentos como complicadores que poderiam levar a uma mudança de rumos do projetado Mercado Comum do Sul. Ora, quem segue de perto a evolução do processo integrativo europeu sabe, perfeitamente, que a tomada de decisões ou, em alguns casos, a sua aplicação, não segue uma trajetória linear.
O encantamento pelo alargamento do Mercosul — no estágio futuro de mercado comum —, é bom advertir, pode ocasionar uma política de geometria variável e gradualista, em que os sistemas de integração poderiam variar em face dos casos concretos, destacando fragilidades.
O Mercosul, hoje, já é um processo irreversível. Como é natural, apresenta dificuldades, quer em relação à sua agenda interna, quer em relação à agenda internacional. O conhecimento e aprofundamento dos temas, objeto desta obra coletiva, é de fundamental importância para os agentes dos atores oficiais e para a sociedade civil em geral, e para apreender aspectos dos condicionamentos, daqueles, no processo de negociação, quer decorrentes de imposições domésticas, quer como resultado de uma abordagem pluralista no campo das relações internacionais, na perspectiva de uma negociação continuada da natureza integrativa. As medidas externas, na sua dupla vertente política e econômica, interativamente, são definitórias.
Entre os objetivos estratégicos atuais do Mercosul, evidenciamos o interesse pelo aumento de investimentos estratégicos e uma crescente inserção no comércio internacional.
Do ponto de vista jurídico, esta obra coletiva torna-se uma leitura necessária para quem busca, na prática, conhecer, no atual estágio de evolução do processo integrativo, o regime de concorrência, o embasamento legal em matéria contratual, a aplicabilidade dos direitos humanos, do direito ambiental, a solução de controvérsias compreendendo a arbitragem e o Tribunal, o Direito da Concorrência, até de problemas relacionados com a livre circulação de jogadores de futebol no Mercosul, entre outros temas abordados.
A profundidade da obra, a erudição e maturidade com que são tratados os temas ora apresentados, aliado à capacidade jurídica do organizador, Professor Paulo Borba Casella, por excelência um humanista, imprimem um sentido dinâmico a este trabalho coletivo que, volto a frisar, tem por objetivo surpreender o estágio atual do processo de evolução do Mercosul.

Nenhum comentário: