Quem eu sou?

Como não tenho o dom de ler pensamentos, me preocupo somente em ser amigo e não saber quem é inimigo. Pois assim, consigo apertar a mão de quem me odeia e ajudar a quem não faria por mim o mesmo.
Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Realismo mágico na política externa

O Globo
Realismo mágico na política externa
Rubens Barbosa
A distância entre a retórica e a realidade nas declarações públicas sobre qualquer assunto de altos funcionários do atual governo é conhecida. No tocante à política externa, em especial, esse descompasso está adquirindo características preocupantes, pois a ele se soma uma superestimação de nossa capacidade e de nossos recursos na implementação do que o presidente Lula denominou de "política da generosidade" para com nossos vizinhos do subcontinente. "O Brasil tem que assumir definitivamente a responsabilidade pela integração da América do Sul. Não há concessões excessivas quando as diferenças de dimensão são tão extraordinárias e quando nossos interesses as exigem para a construção na América do Sul de um bloco que nos fortaleça a todos", reza a doutrina oficial. O mais novo desdobramento da política externa em relação à região foi a sugestão de que "o Brasil deveria promover um Plano Marshall sul-americano para superar a devastação diária causada pelo subdesenvolvimento", no dizer de um dos proponentes da idéia. Essa eventual iniciativa brasileira, segundo se anuncia, deveria imaginar um programa mais amplo, mais enérgico, mais generoso e mais ágil dos países mais ricos da região em favor daqueles mais pobres, a exemplo do Plano Marshall. Em termos de política externa, estamos entrando na fase do realismo mágico. Resta saber quem, na categoria dos mais ricos da região, se disporia a levar adiante a idéia junto com o Brasil. Argentina e Venezuela seriam os candidatos naturais. Parece mais realista, contudo, nas circunstâncias difíceis que enfrentam internamente, incluí-los hoje entre os que devem de demandar recursos para suas respectivas reconstruções econômicas.... O Brasil já comprometeu centenas de milhões de dólares dos cofres públicos com apoio financeiro aos países da região (perdão de dívidas do Paraguai e da Bolívia), aumento da contribuição do Brasil à Corporación Andina de Fomento e a majoritária contribuição financeira do Brasil no Focem. Agora, anunciam-se uma hidrelétrica binacional com a Bolívia (não bastam os problemas com o Paraguai em Itaipu) e a cessão, sem pagamento, de energia à Argentina e ao Uruguai (em troca de energia futura), como novos exemplos de generosidade. Seria legítimo esperar que resultados concretos dessa política generosa tenham alguma contrapartida que possa ser contabilizada positivamente na defesa de nosso interesse nacional. Seria constrangedor, porém, elaborar aqui uma lista das contrapartidas que o Brasil recebeu. Basta lembrar a última delas. A Argentina manifestou-se contrária à posição do Brasil/Mercosul nas negociações multilaterais de comércio da Rodada Doha, peça fundamental da estratégia de negociação comercial externa do atual governo. Não está em questão o real e justificado interesse do Brasil em ter vizinhos com uma economia estável e em desenvolvimento. A liderança para um plano Marshall na região, contudo, é uma proposição totalmente diferente. Como atribuir prioridade a tal iniciativa quando se sabe que algumas regiões de nosso país, em especial o Nordeste e o Norte, são mais pobres do que a maioria de nossos vizinhos? Como concentrar esforços e grandes recursos financeiros para generosamente ajudar nossos hermanos, quando os verdadeiros necessitados são nossos irmãos? Não podemos ignorar que o Brasil, nos últimos dez ou quinze anos, com a estabilidade da economia, e impulsionado pelo crescimento da economia mundial e do comércio exterior, vem se projetando de forma crescente no exterior. Pela internacionalização das muitas empresas brasileiras e por estar no centro das discussões de alguns temas que interessam a todos os países, em especial os desenvolvidos, como a questão energética (etanol e petróleo), de meio ambiente (mudança de clima) e alimentos (escassez de alguns produtos e alta cotação das commodities), a situação externa, nos seus fundamentos, modificou-se para o Brasil. Para nós, o Mercosul se tornou pequeno. A médio prazo, se continuarmos nesse caminho, também a América do Sul ficará pequena para o Brasil. Urge que o governo e as empresas brasileiras pensem globalmente. Nossos interesses imediatos estão no entorno geográfico, mas não devemos perder de vista as oportunidades que estão se abrindo e se abrirão nos próximos anos para o setor privado brasileiro em regiões onde se localizam os maiores e mais dinâmicos países do mundo. RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

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