Quem eu sou?

Como não tenho o dom de ler pensamentos, me preocupo somente em ser amigo e não saber quem é inimigo. Pois assim, consigo apertar a mão de quem me odeia e ajudar a quem não faria por mim o mesmo.
Quem não lê, não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Uma previsão marxista...

Uma previsão marxista...
“A produção capitalista acarreta, com a inexorabilidade de uma lei da natureza, a sua própria negação.”
Karl Marx, O Capital.
Marx não foi apenas um cientista social, ou um filósofo, como muitos pretendem, ou ainda um economista, como ele próprio pretendia. Ele foi também um profeta. Todos os profetas traduzem algum sentimento de insegurança que perpassa a sociedade de seu tempo; eles sempre atuam sobre os medos e as incertezas que todos ostentam quanto ao futuro – por definição, sempre desconhecido – e ousam antecipar caminhos de ruptura, antevendo, ou até prevendo, catástrofes, ou prometendo a redenção das sociedades nas quais vivem. Eles estão geralmente errados, aliás totalmente equivocados, na maior parte das vezes, o que não os impede de adquirirem fama – eventualmente fortuna, também – e de posarem de agentes da mudança, ainda que de maneira involuntária (muitas vezes de forma irresponsável, ao não anteciparem o grau de sofrimento humano e as perdas sociais trazidas pelas grandes soluções de “ruptura”, por eles propostas).
Marx foi um desses “catastrofistas” do primeiro capitalismo, escrevendo sobre os horrores da Inglaterra vitoriana e antecipando um futuro de abundância e de bem-estar por meio do estabelecimento de um sistema que seria capaz de superar as deficiências visíveis do capitalismo do seu tempo: as longas horas de trabalho, a super-exploração do trabalho de mulheres e crianças, as condições insalubres de produção – sem falar das condições de habitação e alimentação, mas disso, pelo menos, os capitalistas não podem ser considerados responsáveis – a concentração de riquezas e de poder nas mãos de uns poucos. Marx profetizou que esse sistema alternativo, chamado de socialismo, liquidaria, simplesmente, com a “exploração do homem pelo homem”, sem explicar, porém, como seria possível organizar a produção de bens – ele preferia não falar de mercadorias para o novo modo de produção, pois acreditava, equivocadamente, que a sociedade socialista poderia prescindir de mercados – em bases igualitárias e sem qualquer linha de comando, posto que isto sempre implica uma certa desorganização do processo social de produção.
Marx foi, também, um dos maiores profetas dos tempos presentes. Ele previu, por exemplo, a globalização capitalista. Acertou totalmente. Apenas não podia antecipar que o sistema sonhado e acalentado por ele, o socialismo estatal, iria atrasar e atrapalhar a globalização capitalista em pelo menos três quartos de século. Esse foi, paradoxalmente, o papel histórico do socialismo soviético, que, junto com os fascismos dos anos 1930 e as diversas formas de coletivismo econômico do século XX, atrasou a globalização capitalista em mais ou menos 70 anos. Os discípulos modernos de Marx, inconseqüentes quanto ao sentido profundamente globalizador da sua mensagem – ela está no Manifesto do Partido Comunista, de 1848 – continuam tentando atrapalhar o itinerário avassalador da globalização capitalista, o que só pode delongar, na visão marxista, o advento tão esperado da sociedade socialista. Sim, claro: a mensagem marxista sobre a necessidade da globalização do capital é a de que, com ela, estaria sendo acelerado o processo histórico que traria, inelutavelmente, a implantação do socialismo.
Marx foi um messiânico, um milenarista, um salvacionista, um profeta do fim dos tempos, inteiramente em linha com a tese sobre o fim da história de seu mentor e mestre repudiado: Friedrich Hegel. Ainda que os antiglobalizadores atuais – que são todos um pouco de esquerda, como convém – protestem contra a proposta de Francis Fukuyama, ela é inteiramente consistente com a escatalogia marxista, que previa o fim da história a partir do advento do socialismo. Falo em “proposta” porque os críticos mais ferozes de Fukuyama provavelmente nunca leram o seu ensaio e provavelmente nem se deram conta de que o título traz um ponto de interrogação, confirmando que o autor pretendia debater uma tese, não antecipar um resultado. Ele sequer chegou a prever (inclusive por que seria anacrônico naquele momento) o fim da União Soviética enquanto Estado centralizado e passavelmente autoritário, tendo se contentado em propor, ou até antecipar – como pequeno profeta que foi –, que a derrocada dos regimes economicamente centralizados e politicamente autoritários inaugurava uma nova era na qual escolhas fundamentais iriam girar em torno do modelo das democracias de mercado. Ele foi um “jovem hegeliano”, como Marx.
Marx foi excessivamente pessimista quanto ao capitalismo realmente existente em seu tempo e excessivamente otimista quanto ao socialismo do futuro, que ele bosquejou, simplesmente, em duas ou três pinceladas redutoras, do tipo “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades” (isso não quer dizer nada, não é mesmo?). Fukuyama, por sua vez, foi excessivamente otimista quanto às possibilidades de uma economia puramente de mercado e quanto a um regime político democrático-liberal, desconsiderando, talvez, todos os elementos de autoritarismo embutidos em sistemas econômicos travados pelo baixo crescimento, por imensas desigualdades sociais e por iniqüidades educacionais que mantêm a maior parte das pessoas na ignorância política e na incultura econômica. Uma pequena revisão das ditaduras ainda sobreviventes neste século confirma esta constatação, a exceção – sempre existem exceções – sendo a China, com sua excepcional taxa de crescimento econômico e sua ditadura exemplar.
Marx não se contentou em prever o fim do capitalismo; ele pretendeu fundar uma nova era, ou, pelo menos, um novo “modo de produção”, cuja inelutabilidade decorreria logicamente das contradições do capital, numa síntese dialética que constituiria o seu próprio “fim da história” hegeliano. Sua frase, colocada em destaque na abertura deste pequeno ensaio – “A produção capitalista acarreta, com a inexorabilidade de uma lei da natureza, a sua própria negação” –, oferece menos o ponto de partida de uma digressão filosófica sobre o modo de produção capitalista do que a conclusão finalística para uma tese que já estava provada de antemão: para Marx, o capitalismo iria necessariamente desaparecer – com a abolição de sua forma historicamente específica de realização, a extração de mais valia – para dar lugar a um modo superior de organização social da produção, no qual aquelas contradições já não estariam presentes.
Marx deixou inconcluso o “manual de instruções” sobre como deveria (ou como poderia) ser construído o sistema que funcionaria, segundo seus promotores, sem qualquer extração de mais valia, isto é, sem a exploração do homem pelo homem. Os economistas da era soviética bem que tentaram estabelecer as bases de uma “economia política marxista” que fizesse a “desconstrução conceitual” da “economia política burguesa” e operasse a economia do socialismo real sobre novas bases, mas não se tem notícia de que a natureza da “exploração” tenha sido radicalmente alterada. Ao que se sabe, o esforço não foi muito bem sucedido, pois que, do contrário, se isso tivesse ocorrido, o “novo” sistema econômico socialista ainda estaria disputando, nos super-mercados da história, as preferências dos consumidores potenciais (sem ter sido reduzido, como atualmente, a dois obscuros redutos nas antípodas do hemisfério norte).
Marx não foi feliz, portanto, em seu legado, uma vez que o objeto central de sua análise, o modo de produção capitalista, resistiu ao seu profetizado “fim da história”, insistindo teimosamente em viver e conseguindo, inclusive, enterrar o modo de produção alternativo que lhe deveria suceder. A bem da verdade, não foi tanto o capitalismo que enterrou o socialismo – para empregar a expressão utilizada por Krushev em 1960 –, mas o próprio socialismo que demonstrou, de maneira totalmente autônoma, ser inviável enquanto organização alternativa da produção de mercadorias. Isto se deve a que Marx – e, de forma ainda mais acentuada, Lênin e seus seguidores – desprezou completamente a ação dos mercados, que ele julgava caóticos e necessariamente propensos a crises de super-produção (com o desperdício conseqüente de meios de produção e das próprias mercadorias produzidas).
Marx e seus sucessores foram infelizes na sua grandiosa empreitada regeneradora da sociedade. A razão é muito simples: eles tentaram contrariar uma das leis econômicas mais simples que se possa conceber em toda a história da humanidade, a lei da oferta e da procura, colocando em seu lugar o planejamento centralizado. Mais grave ainda, eles ignoraram completamente um instrumento fundamental – não da sociedade capitalista, mas simplesmente de qualquer atividade econômica – e necessário à formação de preços: o cálculo econômico, que é um sinalizador indispensável à escassez relativa de fatores e insumos de produção, substituindo-o pela atribuição administrativa, e arbitrária, de um “valor” de troca. Não contentes, eles pretenderam recusar a retribuição de acordo com o mérito – ou seja, pela quantidade de trabalho embutido numa dada atividade produtiva –, colocando em seu lugar a referida “lei de Gotha” sobre as capacidades e as necessidades. Surpreende que “intelectuais” do século XXI retomem ingenuamente essa fórmula vazia (posto que tautológica), uma vez que essa “lei” não resolve rigorosamente nada do lado da produção, contentando-se em “organizar” generosamente a redistribuição.
Marx ainda tem muitos seguidores hoje em dia, não exatamente nas faculdades de economia – onde devem ser raríssimos aqueles que ainda pretendem extrair algum sinal de inteligibilidade de um livro gótico como O Capital –, mas mais precisamente nas ditas humanidades, onde é maior o número de professores e alunos completamente afastados dos circuitos normais da produção capitalista e que podem, talvez, se conceder o ócio (remunerado?) de pontificar sobre a “dominação do capital” e a “hegemonia burguesa” sem que alguém lhes venha cobrar um mínimo de coerência ou algum comprometimento com a realidade. Não sei o que pensaria Marx, se vivo fosse, de seus atuais seguidores. Ele provavelmente balançaria a cabeça e diria: “mas eles não entenderam nada...”
Marx, presumivelmente, não estaria marchando contra a globalização capitalista ou contra os capitalistas de Davos e de Wall Street: ele estaria pedindo mais globalização e mais dominação do capital, no pressuposto de que isso faria avançar a humanidade para patamares mais elevados de modernização, constituindo novos exércitos industriais, os futuros “coveiros” do capitalismo. Ele certamente não estaria se alinhando com os antiglobalizadores de Paris, de Porto Alegre ou de Caracas, pois acharia suas “teses” – se é que elas existem, pois ainda não se viu quais poderiam se abrigar sob esse conceito – muito confusas e impregnadas de proudhonismo romântico: ele tenderia a considerar esse ajuntamento heteróclito de jovens idealistas e de velhos esquerdistas reciclados um bando de anarquistas incuráveis, de bakuninistas irrecuperáveis, aos quais faltam organização e princípios claros para se oferecerem como a vanguarda da classe do futuro.
Marx, provavelmente, viajaria regularmente a Davos (a convite, com tudo pago), para dialogar (unilateralmente, claro) com os capitalistas globalizados da atualidade, que já não usam mais aquelas cartolas rombudas do seu tempo, mas que continuam a fumar charutos e a contar dinheiro (agora bem mais virtual). Não é certo que ele recorresse a alguma versão modificada do “esqueçam o que eu escrevi”, mas existem indícios de que ele estaria colaborando regularmente com o Financial Times e com a The Economist – que já existia na sua época –, defendendo a globalização capitalista dos ataques mais irracionais dos bakuninistas enraivecidos e dos proudhonianos confusos que tentam convencer os cidadãos de boa vontade de que “um outro mundo é possível”.
Marx nem precisaria escrever qualquer panfleto vitriólico sobre a “miséria da antiglobalização”. Ele simplesmente pediria aos antiglobalizadores que, em lugar de slogans pouco esclarecedores, eles fizessem o que ele já tinha feito, em seu tempo: sentar os traseiros em alguma cadeira de biblioteca e produzir, com base em relatórios sobre o funcionamento do modo de produção capitalista e suas realizações efetivas, a “economia política” desse “outro mundo possível” que eles tanto pregam. Quaisquer alternativas, finalmente, têm de ser apresentadas, no mínimo, com as “instruções de uso”. Marx poderia hipoteticamente dizer que, sem que se consiga vislumbrar um mínimo de consistência nas “idéias” exibidas pelos antiglobalizadores, fica muito difícil entender quais seriam, exatamente, as críticas que eles pretendem fazer ao atual ciclo do modo capitalista de produção, que aparentemente ainda está em sua juventude.
Marx, num ponto, poderia parafrasear, um século e meio depois, sua afirmação em epígrafe: “A globalização capitalista acarreta, com a inexorabilidade de uma lei da natureza, a sua própria negação”. Os antiglobalizadores estão aí, para provar o acertado desta tese. Mas, como ele mesmo afirmou, na abertura do seu Dezoito Brumário: a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Aparentemente, o circo da antiglobalização está se repetindo como uma comédia de equívocos, já que não consta que, dos seus encontros ruidosos e perfeitamente globalizados, alguma proposta coerente e factível, para superar o atual ciclo da globalização capitalista, esteja sendo forjada pelos arautos do movimento alternativo.
Marx disse uma vez que, do seu ponto de vista, ele não se considerava marxista. Caso pudesse retornar ao nosso convívio, ele talvez ele pudesse acrescentar que já não se “fazem” mais marxistas como antigamente...

Mercosul: Integração Regional e Globalização

Mercosul: Integração Regional e Globalização
Fernando Augusto Albuquerque Mourão
Professor Titular da USP
Prefácio
O livro que ora apresento se impõe por si. Faz parte de um processo de reflexão do qual já resultaram vários estudos sobre a União Européia, o Mercosul e as relações entre as duas instituições, organizados e concebidos pelo Professor Paulo Borba Casella.
O tema da integração regional e da globalização, visto de uma ótica sistêmica, lembra-nos os dizeres que aparecem nas tabuletas que chamam a atenção em áreas em obras: homens trabalhando. Estamos diante de um processo que vem acontecendo, como no caso da Europa, há mais de quatro décadas: da fase de uma Europa econômica à de uma Europa política, testemunharam-se necessidades e óbices de uma engenharia que se apelidou de Europa de geometria variável, Europa a duas velocidades, Europa a la carte. A Europa a duas velocidades refletiu o ritmo dos processos integrativos, aceitando, contudo, o primado de que os objetivos da UE deviam ser respeitados mutuamente; a Europa a la carte permitia aos Estados optar ou não pela adesão às disposições comunitárias; na perspectiva da Europa de geometria variável, nem todos os Estados participaram das mesmas ações. Num arranjo possível dos subsistemas internacionais, enfatizou-se ora o fator econômico-financeiro, ora o fator estratégico; às vezes o fator político, outras vezes o social e o cultural. Hoje, a Europa dos Cidadãos — regida pelo princípio estruturador da economia do livre-comércio, da política democrática, de aspectos sociais solidários — é o resultado de uma vontade política gradual, da qual resultaram o Tratado da CECA (1951), o Tratado de Roma (1957), o Ato Único (1987). Tudo isso deu lugar ao Mercado Único (1993) e avançou para a União Econômica e Monetária e para a União Política, os Acordos de Maastrich (1991), o Tratado de Maastrich (1992, nascendo a União Européia em 1º/1/93) e, numa clara linha de revisão constante dos atos, o Tratado de Amsterdã (1997), tido como uma primeira revisão do Tratado de Maastrich, a par de uma ação criativa do Tribunal de Justiça, que, paulatinamente, foi criando uma jurisprudência comunitária que consagrou inter alia a aplicabilidade direta das disposições do Direito Comunitário, vencendo as resistências nacionais dos países-membros.
Já se estava sentindo a falta de uma reflexão em torno das relações entre a globalização e a regionalização, quer no sentido da operacionalização, quer no sentido da ordenação na perspectiva de uma caminhada de mudanças, mutações para alguns, com vistas não ao homem ideal, mas à cidadania do possível. No mundo flutuante no qual nos inserimos, é bom não perder de vista, entre os fatores estruturantes da globalização e de regionalização, os objetivos de uma cidadania do possível, o que certamente teria levado Paulo Borba Casella a introduzir o capítulo Da Constituição dirigente, ao direito comunitário dirigente, do mestre coimbrão José Joaquim Gomes Canotilho, pondo-se em evidência a captação dos fatores reais e os encaminhamentos de ordem jurídica. Objetividade e um esforço intelectual de melhor compreender as mudanças ou, melhor dizendo, o encaminhamento para as mudanças, num cenário regional, são uma preocupação central nesta obra coletiva, uma reflexão a um desafio.
A desregulamentação em várias áreas, preconizada pela OCDE, num mundo globalizado, impõe novos arranjos do ordenamento jurídico que, segundo Norberto Bobbio, para além de ser uma unidade, constitui um sistema, neste caso um sistema aberto que implica em capacidade de adaptação.
O Mercosul, constituído por meio do Tratado de Assunção (1991), após uma fase de transição que vai até o final de 1994, não só tem ainda um longo caminho a percorrer, fases a serem vencidas, como os seus parceiros, mesmo os maiores, não dispõem da capacidade financeira dos principais membros da União Européia. Cabe salientar o destaque que a imprensa sul-americana vem dando às dificuldades e conflitos surgidos no relacionamento interno no Mercosul, principalmente entre a Argentina e o Brasil, anunciando, de forma catastrófica, esses acontecimentos como complicadores que poderiam levar a uma mudança de rumos do projetado Mercado Comum do Sul. Ora, quem segue de perto a evolução do processo integrativo europeu sabe, perfeitamente, que a tomada de decisões ou, em alguns casos, a sua aplicação, não segue uma trajetória linear.
O encantamento pelo alargamento do Mercosul — no estágio futuro de mercado comum —, é bom advertir, pode ocasionar uma política de geometria variável e gradualista, em que os sistemas de integração poderiam variar em face dos casos concretos, destacando fragilidades.
O Mercosul, hoje, já é um processo irreversível. Como é natural, apresenta dificuldades, quer em relação à sua agenda interna, quer em relação à agenda internacional. O conhecimento e aprofundamento dos temas, objeto desta obra coletiva, é de fundamental importância para os agentes dos atores oficiais e para a sociedade civil em geral, e para apreender aspectos dos condicionamentos, daqueles, no processo de negociação, quer decorrentes de imposições domésticas, quer como resultado de uma abordagem pluralista no campo das relações internacionais, na perspectiva de uma negociação continuada da natureza integrativa. As medidas externas, na sua dupla vertente política e econômica, interativamente, são definitórias.
Entre os objetivos estratégicos atuais do Mercosul, evidenciamos o interesse pelo aumento de investimentos estratégicos e uma crescente inserção no comércio internacional.
Do ponto de vista jurídico, esta obra coletiva torna-se uma leitura necessária para quem busca, na prática, conhecer, no atual estágio de evolução do processo integrativo, o regime de concorrência, o embasamento legal em matéria contratual, a aplicabilidade dos direitos humanos, do direito ambiental, a solução de controvérsias compreendendo a arbitragem e o Tribunal, o Direito da Concorrência, até de problemas relacionados com a livre circulação de jogadores de futebol no Mercosul, entre outros temas abordados.
A profundidade da obra, a erudição e maturidade com que são tratados os temas ora apresentados, aliado à capacidade jurídica do organizador, Professor Paulo Borba Casella, por excelência um humanista, imprimem um sentido dinâmico a este trabalho coletivo que, volto a frisar, tem por objetivo surpreender o estágio atual do processo de evolução do Mercosul.

O BRASIL E A COOPERAÇÃO SUL-SUL NO PÓS-GUERRA FRIA

O BRASIL E A COOPERAÇÃO SUL-SUL NO PÓS-GUERRA FRIA
Políticas externas comparadas, relações bilaterais e multilaterais com as "potências emergentes"
Paulo G. Fagundes Visentini
A pesquisa enfatiza as relações do Brasil com novos espaços internacionais, as relações Sul-Sul com as chamadas "potências emergentes", tendo como pano de fundo o impacto da integração sul-americana (ou seja, a posição do Brasil como liderança regional) para estas iniciativas e uma reflexão sobre o caráter da atual política externa (tentando responder se se trata de inovação ou da retomada de propostas anteriores dentro de um novo contexto).
As relações do Brasil com os quatro grandes do mundo em desenvolvimento (China, Rússia, Índia, e África do Sul), cujo conjunto é conhecido jornalisticamente como BRICS, representam uma grave lacuna bibliográfica. A pesquisa busca reconstituir empiricamente as relações bilaterais, o papel do Brasil para a estratégia de cada um destes países e comparar as respectivas políticas externas, nos marcos das respostas aos desafios da globalização e do sistema internacional pós-Guerra Fria.
A análise das relações do Brasil com países aspirantes a uma posição de proeminência na ordem mundial, como Rússia, China, Índia e África do Sul, tem implicações teóricas importantes. A globalização gerou espaços para a projeção de potências regionais, líderes de blocos econômicos, o que contribui para reforçar a possibilidade de formação de um sistema mundial multipolar, em lugar de uma neohegemonia norte-americana. Os casos da Rússia e da China diferenciam-se dos outros dois, pois se tratam de países que, apesar da dissolução da URSS e das reformas de mercado na China, guardam elementos estruturais originados sob regimes socialistas. São potências mundiais, embora uma declinante e outra ascendente.
Como já existe uma bibliografia consolidada sobre a diplomacia da Rússia e da China (potências nucleares e membros do Conselho de Segurança da ONU), buscaremos explorar com maior profundidade os elementos comparativos em relação à África do Sul e à Índia, com os quais constituímos o G-3 ou IBAS. Neste ponto também procederemos à análise das relações multilaterais dentro do grupo. Contudo, para que tal potencialidade se realize, é necessário um maior nível de interação entre "os grandes da periferia", seja simplesmente um plano conceitual, como no caso do BRICS, seja no plano diplomático, como em relação ao G-3.
Se de um lado a Rússia se tornou um protagonista qualitativamente inferior à URSS, o país guarda elementos de poder significativos, como a presença no CS da ONU, potencial nuclearmilitar e industrial e tecnologia aero-espacial. Além disso, ela vem recuperando parcialmente sua força com o governo Putin. Por outro lado, ter deixado de ser uma das superpotências sob o sistema bipolar da Guerra Fria e perdido o caráter de bastião ideológico socialista, permitiu-lhe um novo papel internacional e novas possibilidades de alianças.
A China se encontra em posição parecida, embora evoluindo em direção oposta. Em vias de ocupar uma posição de liderança partilhada com os EUA, a China oposta na configuração de um sistema mundial multipolar, como a Rússia, e numa "parceria estratégica" com o Brasil. Seu crescente peso econômico lhe confere um elemento adicional de influência na política internacional.
Mas as possibilidades de atuação conjunta com Moscou e Beijing no plano internacional são diferentes das que podemos ter com Nova Delhi e Pretória. Há vínculos importantes e "parcerias estratégicas", mas as assimetrias também são significativas. Já a Índia e a África do Sul, que formam com o Brasil o G-3, embora atores mais modestos que os outros dois, possuem um peso internacional como líderes de processos regionais de integração como a SAARC e a SACU/SADC, comparáveis ao Mercosul/CASA no caso do Brasil. A posição como grandes democracias (embora de qualidade discutível) e um passado de economias capitalistas industrializadas por substituição de importações também são traços comuns.
Assim, o estudo das relações do Brasil com estes 4 países nos marcos Sul-Sul, se reveste de grande relevância. Mas é necessário ter em conta o desafio da ordem mundial pós-Guerra Fria, e particularmente, pós-11 de setembro. Os desafios que os membros do G-3 e, em menor medida, do BRICS, vêm enfrentando criam um espaço comum de atuação. A pesquisa buscará, por outro lado, desmistificar a crença de que se trata da retomada do "terceiromundismo", a adoção de uma diplomacia ideológica ou de um posicionamento conjunto que visa contestar a ordem mundial em seu conjunto. Como uma aliança de geometria variável que é, tem conseguido se viabilizar em contínuo rearranjos.

RETRATO DO BRASIL

RETRATO DO BRASIL


O Brasil é um gigante, mas de “pés de barro”. Quinto país do mundo em território e população e décima economia do mundo ele integra, junto com os Estados Unidos e a China, um grupo seleto entre que está simultaneamente nas três categorias, dentre os dez maiores em população, PIB e território. Todavia, embora seja o único país ao sul do Equador com uma economia completa, do agrobusiness moderno à indústria de informática, está entre os de estrutura social mais desigual.
São Paulo, seu coração industrial e caótica megalópole de 17 milhões de habitantes, tem mais helicópteros e aviões particulares que Nova Iorque, mas ao mesmo tempo o crime organizado é capaz de paralisar a cidade por dias (como ocorreu em maio de 2006) e a percentagem de desempregados e socialmente excluídos é elevadíssima. Ainda que seja um país de mestiços, com uma cultura e a língua única, trata-se do segundo país do mundo em número de negros (ex-escravos), majoritariamente pobres (o primeiro é a Nigéria).

SÉCULO XX - O SÉCULO DO IMPERIALISMO

SÉCULO XX - O SÉCULO DO IMPERIALISMO


No livro “Século XX – Uma Biografia Não Autorizada – O Século do Imperialismo” (Editora Fundação Perseu Abramo), Emir Sader apresenta uma retrospectiva política do século XX, apontando o capitalismo como o maior responsável pelas crises e conflitos que marcaram o período, e a hegemonia de alguns países imperialistas em detrimento dos menos afortunados. Compara ainda os reflexos do capitalismo e do socialismo, representados respectivamente pela Inglaterra após a Revolução Industrial e Estados Unidos, e pela União Soviética após a Revolução Russa.É a partir do conflito dos ingleses contra a África do Sul (Bóeres) e a China (Boxers) que o autor inicia a viagem histórica pelo século. O sucesso nas batalhas permitiu à Inglaterra impor sua cultura naqueles países, mesmo tendo se criado um preconceito exacerbado, principalmente em relação à África do Sul, onde a maioria da população é de etnia negra. Diferentemente do colonialismo da época das grandes navegações, a Inglaterra valeu-se do imperialismo, ou seja, a conquista de novos territórios por meio de invasões e força coercitiva. É esse imperialismo que vai marcar grande parte do século.Com a ascensão dos Estados Unidos, a Inglaterra apresentou uma decadência, e os norte-americanos passaram a influenciar todo o mundo por meio de sua cultura de dominação. O êxito do capitalismo propiciou o surgimento de ideologias políticas de oposição – o socialismo – que, embora tenha se originado das idéias de Karl Marx, agiu com maior clarividência a partir da Revolução Russa de 1917. A revolução, que teve como principal dirigente bolchevique Lênin, foi tão importante que resultou num crescimento incontestável da economia russa. A nova União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) confirmou-se como o maior centro socialista do mundo contemporâneo. Mesmo com a morte de Lênin em 1924 e a sucessão de Josef Stalin, o país continuou com o regime. Com o final da 2ª Guerra Mundial e o triunfo da Revolução Chinesa em 1949, a União Soviética passou a ser reconhecida como potência mundial, juntamente com os Estados Unidos e a Inglaterra. Iniciava-se o período denominado de “Guerra Fria”, com os ideais socialistas defendidos pelos soviéticos batendo de frente com o capitalismo norte-americano. O planeta, nitidamente, dividia-se em dois blocos antagônicos, e as divergências entre os Estados Unidos e a União Soviética iriam gerar diversos focos de conflitos pelo mundo, como forma de cada um ampliar seu poder e difundir seus ideais políticos. Até o espaço tornou-se um campo a ser explorado, e o sucesso da corrida espacial permitiria ao país conquistador a ascensão e o reconhecimento tecnológico no planeta. Por fim, o capitalismo sagrou-se vencedor, tendo como importante precedente a crise ocorrida no Leste Europeu, onde a maioria dos países adotavam o regime socialista. A queda do muro de Berlim, reunificando a Alemanha, dividida politicamente desde 1949, foi um marco histórico importante na vitória do capitalismo frente ao socialismo. A abertura política e a independência das ex-repúblicas socialistas extinguiram com a União Soviética, já no governo de Boris Yeltsin em 1991. Entretanto foi durante o governo de Gorbachev que a Guerra Fria chegou ao fim. Atualmente apenas dois países ainda são governados sob regime socialista: Cuba e Coréia do Norte. Anteriormente à Guerra Fria, também houve a ascensão alemã que, por intermédio de um regime ditador – nazismo de Adolf Hitler – impôs seu domínio a grande parte da Europa.O domínio exercido por alguns países desencadeou uma grande crise social nos países que compõem o bloco do “terceiro mundo”. A irregularidade da distribuição de renda é um dos maiores exemplos dessa discrepância entre os que dominam e os dominados. A liberdade política e econômica dos países emergentes tornou-se utópica, uma vez que ficaram à mercê dos poderosos. No caso específico da América Latina, o domínio norte-americano se expressou de forma mais direta a partir da vitória na guerra contra a Espanha em 1898, possibilitando a intervenção na região caribenha (Cuba, Porto Rico, Filipinas e Ilhas Gwam). Com o tempo, a hegemonia dos Estados Unidos também influenciou os costumes, a política e a economia dos países que compõem o continente sul-americano.As revoluções ocorridas na América Latina, principalmente a Cubana de 1959, tornou o país um foco socialista no continente, aderindo-se à União Soviética e se libertando do jugo norte-americano. Se por um lado a ilha de Fidel Castro prosperou, por outro estagnou. Che Guevara, o maior líder da Revolução Cubana, morreu sem realizar o sonho de construir um centro de coordenação dos movimentos revolucionários, que começavam a surgir no continente latino-americano. Contudo, sua mensagem e imagem o tornaram um símbolo de rebeldia e da luta por uma sociedade mais justa.O século XX pode, portanto, der definido como o “século das guerras” ou ainda contado como a “história do capitalismo norte-americano”. Mas será que o capitalismo representa o regime ideal? Apresenta suas falhas, partindo do princípio que mais de dois séculos não foram suficientes para se conquistar a liberdade, igualdade e fraternidade. Para a indústria bélica norte-americana, as guerras são sempre um grande atrativo, pois o país detém mais de 40% da produção mundial.Os conflitos do final do século apenas confirmaram o poderio de fogo inquestionável dos Estados Unidos. Com a hegemonia mundial ameaçada, a economia e sistema de defesa abalados, os norte-americanos trataram logo de se impor e a guerra contra o terrorismo ganhou grande notoriedade. A manipulação da opinião pública os levou à condição de vítima, o que não condiz com a realidade. Talvez essa seja a estratégia, distorcer os fatos com o propósito de persuadir a população mundial. Embora seja uma atitude que causa indignação, não se pode negar que é uma campanha de marketing muito bem elaborada.

O PODER GLOBAL

O PODER GLOBAL
10 de Outubro de 2007 às 21h 57m · Ricardo

Do ponto de vista do “poder global”, desordem, crise e guerra não são, por si mesmos, um anuncio do “fim”, são uma parte necessária do movimento de expansão do sistema mundial. Deste mesmo ponto de vista, falar de uma “crise terminal”, com data marcada, de um poder hegemônico é um absurdo teórico e histórico.
José Luís Fiori
“A esperança e a previsão, embora inseparáveis, não são a mesma coisa, e toda previsão sobre o mundo real tem que repousar em algum tipo de inferência sobre o futuro, a partir daquilo que aconteceu no passado, ou seja, a partir da história.”
Eric Hobsbawm, Sobre a História, Companhia das Letras, p:67
Na década de 70, do século XX, discutiu-se muito sobre a “crise da hegemonia americana”. Foi no tempo da derrota dos EUA, no Vietnã, da crise do “padrão dólar”, da subida do preço do petróleo e do fim do crescimento econômico acelerado do pós-guerra. E foi também, no tempo da Revolução Sandinista, da Nicarágua, da revolução islâmica, do Irã, e da invasão soviética, do Afeganistão, consideradas, na época, grandes derrotas da política externa norte-americana. Hoje, quase quarenta anos depois, volta-se a falar com insistência, do declínio do poder mundial dos Estados Unidos.
O historiador inglês, Eric Hobsbawm, afirmou numa entrevista recente, que o “projeto americano está falindo”, e que a “superioridade dos Estados Unidos é um fenômeno temporário” . Quase na mesma linha do economista italiano, Giovanni Arrighi, que defende a tese que a “hegemonia americana” está vivendo uma “crise terminal”, depois do “fracasso do projeto neo-conservador no Iraque”, e depois que “os Estados Unidos deixaram de ser um estado hegemônico que criava ordem, para se tornarem uma força do caos e da desordem” . No caso do sociólogo norte-americano, Immanuel Wallerstein, a previsão é ainda mais radical: o que está em crise e deve acabar até a metade do Século XXI, não é apenas a hegemonia americana, é o próprio “sistema mundial moderno” que se formou a partir da Europa, depois do século XVI . Mas nenhum destes autores consegue definir com precisão o que seja uma “crise terminal”, do poder e da superioridade americana, ou do próprio “sistema mundial moderno”, de que fala Wallerstein.
Por que se trataria de uma “crise terminal”, e não apenas de uma crise cíclica ou passageira? e além disto, mesmo que fosse “terminal”, qual seria a sua duração e o seu desfecho? e o que é mais importante, o que passaria no mundo, durante este período de transição e de espera do “juízo final”?
Na verdade, o ponto fraco de todas estas previsões não está na sua análise da conjuntura internacional, está na teoria em que se apóiam suas projeções de longo prazo: a hipótese de que o “sistema mundial moderno” requer a existencia de “potencias hegemônicas” sucessivas, para manter a sua ordem política e o bom funcionamento da sua economia internacional. Dentro desta teoria das “sucessões hegemônicas”, o “líder” ou “hegemon” aparece na história como uma espécie de “resposta funcional” ao problema da “ingovernabilidade” de um sistema que é anárquico, porque é formado por estados nacionais soberanos. Por isto, em geral, esta teoria destaca as contribuições positivas do hegemon, para o bom funcionamento e para “governaça global” do sistema, sem dar maior atenção à dinâmica contraditória das relações existentes entre o “hegemon” e os demais estados que participam do sistema mundial.
Por isto também, esta teoria funcional e evolucionista da “hegemonia”, não consegue dar conta do movimento contínuo de competição, luta e expansão dos estados e economias nacionais que já conquistaram a condição de “grandes potências”, e fazem parte do “núcleo central” de todo o sistema, mas seguem competindo entre si, mesmo nos períodos que aparentam uma alta “tranqüilidade hegemônica”. Daí sua dificuldade para compreender situações de conflito e de ruptura, e a pressa com que estas análises e previsões, anunciam “crises terminais”, a cada nova turbulência econômica, guerra, ou derrota do “hegemon”, sem considerar a possibilidade que estas crises e guerras possam fazer parte do processo de reprodução e expansão do poder e riqueza do próprio “hegemon”, que não foi eleito para ser representante, nem para cuidar dos interesses gerais da humanidade.
A crítica desta teoria da “hegemonia mundial”, e destas previsões baseadas na hipótese dos “ciclos hegemônicos”, está na origem do conceito e da pesquisa sobre o “poder global” : um modo de olhar e analisar o sistema político mundial e suas relações com a internacionalização capitalista, que privilegia o conflito e as contradições do sistema mais do que suas relações funcionais. Da perspectiva do “poder global”, o sistema mundial é uma “máquina de acumulação de poder e riqueza”, e seu motor é a competição e a guerra, entre seus estados e economias nacionais. Dentro deste “sistema mundial”, não existem países satisfeitos, todos estão sempre se propondo aumentar seu poder e sua riqueza, e neste sentido, todos são expansivos, em particular, as “grandes potências” que já ocupam o topo da hierarquia do poder e da riqueza mundiais.
Por isto, este sistema pode ser comparado com um “universo” em expansão contínua, onde todas as potências que lutam pelo poder global, estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, expansão e crise, paz e guerra. E como conseqüência, se pode afirmar com toda certeza que dentro deste universo, ou seja, dentro do “sistema mundial moderno”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, nem hegemonia estável . Pelo contrário, do nosso ponto de vista, o que ordena e “estabiliza” as relações hierárquicas internas do sistema mundial, paradoxalmente, é a existência de “eixos conflitivos crônicos”, junto com a permanente possibilidade de uma nova guerra, entre as grandes potências.
Por isto, do ponto de vista do “poder global”, desordem, crise e guerra não são, por si mesmos, um anuncio do “fim”, são uma parte necessária do movimento de expansão do sistema mundial. E deste mesmo ponto de vista, falar de uma “crise terminal”, com data marcada, de um poder hegemônico, ou do próprio “sistema mundial moderno” é um absurdo teórico e histórico. Até porque, no tempo de espera da “hora final”, o mais provável é que o sistema siga enfrentando e superando crises econômicas, como em toda a história da internacionalização capitalista, e situações de guerra, como em toda a história geopolítica das nações, inaugurada pela Paz de Westfália, em 1648. E, portanto, com relação a este tempo de espera, todas estas previsões “terminais”, são absolutamente inúteis.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Teste de Honestidade em Brasília - CQC

O Brasil e as relações Sul-Sul. Perspectivas do poder mundial

O Brasil e as relações Sul-Sul. Perspectivas do poder mundial*
Paulo Roberto Daltro de Carvalho**


Resumo
Este artigo dedicará algumas reflexões para a cooperação do Brasil com novos espaços internacionais, as relações Sul-Sul com outros países considerados "potências emergentes" e system-affeting (que dispõem de recursos suficientes para, junto com atuação internacional ativa, afetar o andamento de certos temas da política internacional), em outros continentes como é o caso da África do Sul, Índia, China além da Rússia e a posição do Brasil como liderança regional. Questiona-se finalmente como incrementar a integração regional.

Palavras-chave: Brasil; África do Sul; Índia; Relações Sul-Sul; Comércio Internacional; Política Externa.

Introdução
A análise das relações do Brasil com países aspirantes a uma posição de proeminência na ordem mundial, como Índia e África do Sul, tem implicações teóricas importantes. A globalização gerou espaços para a projeção de potências regionais, líderes de blocos econômicos, o que contribui para reforçar a possibilidade de formação de um sistema mundial multipolar, em lugar de uma neo-hegemonia norte-americana. O Brasil está no caminho certo ao buscar uma maior integração na economia mundial.
Assim, o estudo das relações do Brasil com estes países nos marcos Sul-Sul, se reveste de grande relevância. Mas é necessário ter em conta o desafio da ordem mundial pós-Guerra Fria, e particularmente, pós - 11 de setembro. Os desafios que os membros do G-3 vêm enfrentando criam um espaço comum de atuação. Por outro lado, é preciso desmistificar a crença de que se trata da retomada do "terceiromundismo", a adoção de uma diplomacia ideológica ou de um posicionamento conjunto que visa contestar a ordem mundial em seu conjunto. Como uma aliança política que é, tem conseguido se viabilizar em contínuo rearranjos.

O Brasil e as Relações Sul-Sul
Avançando com o diálogo sul-sul iniciado no governo FHC, a chancelaria do governo Lula buscou estabelecer um círculo efetivo de alianças estratégicas com Estados pares, a fim de que, juntos, os países subdesenvolvidos pudessem aumentar seu poder de barganha no sistema internacional. É esse o caso do relacionamento brasileiro com Índia e África do Sul, no âmbito do projeto IBSA (India, Brazil and South Africa), do fortalecimento das relações bilaterais com Rússia e China, e de sua participação, cada vez mais ativa, em grupos de articulação que unem países em desenvolvimento, como o G-20 e o G-4. Além da cooperação em setores complementares, esse incremento da coordenação política visa refletir-se em um aumento da influência do Brasil nas negociações multilaterais em que está envolvido, em especial as disputas travadas no âmbito da OMC.
O ano de 2003 confere diferenciada importância política a estas relações em função do surgimento do IBSA ou IBAS, do papel que passa a ser atribuído ao Brasil e à Índia nas negociações conclusivas da rodada de Doha na OMC, bem como do lançamento de suas candidaturas a membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O ponto inicial para a distinção do ano de 2003 dos demais é o surgimento do Fórum de diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS) e o lançamento do G-20, grupo de países em desenvolvimento com foco em políticas agrícolas e atuação baseada na Agenda para o Desenvolvimento de Doha. Destaca-se ainda, a importância das articulações do G4 (Brasil, Índia, Alemanha e Japão) com vistas à obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O IBAS, organismo baseado em uma concepção de cooperação Sul-Sul, é uma iniciativa promissora em muitos aspectos. Em termos políticos, a coalizão tem o potencial de assegurar um protagonismo para seus membros, proveniente da concertação de seus interesses e posicionamentos em fóruns multilaterais. Em termos econômicos, o fluxo trilateral pode aumentar trazendo, além dos supostos benefícios advindos do desvio do atual comércio com o norte para o sul, a materialização de uma união conformada por elos quase que indissolúveis. No que tange à cooperação para o desenvolvimento conjunto de tecnologia, as iniciativas até então realizadas demonstram bons prognósticos de avanço, respeitando-se os limites da “generosidade” em ceder know-how de cada um dos países. E, por último, mas não menos importante, o IBAS incorpora o enfoque relativo à mitigação de problemas socioeconômicos comuns aos três, sendo este um aspecto de grande valia para impulsionar o desenvolvimento destes países.
Ao discursar para os representantes de países do G-20 durante a V Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancún, entre 10 e 14 de setembro de 2003, de acordo com a idéia de configurar uma nova geografia do comércio mundial, o presidente Lula aproveitou a oportunidade para afirmar que esse novo tipo de articulação deveria inspirar novas ações também em outros tabuleiros, além dos fóruns internacionais já consolidados como a OMC e a ONU para ampliar o nosso intercâmbio recíproco, especialmente para a intensificação do comércio Sul-Sul. Nessa perspectiva, a diplomacia do governo Lula articulou com Índia e África do Sul o IBAS. Entre outros propósitos, essa parceria visa consolidar um bloco trilateral Sul-Sul para o fortalecimento tanto da capacidade política nas negociações comerciais internacionais desses países na OMC frente aos partners desenvolvidos quanto busca a reforma da ONU, que deverá ser mais democrática e voltada para as prioridades dos membros, a mudança na representação no Conselho de Segurança com suas respectivas emergências para que o órgão torne-se representante efetivo da comunidade global, a redução da pobreza como meio para aumentar a paz e estabilidade internacional (IBAS, 2008).
Para o chanceler brasileiro, Ministro Celso Amorim (2003), Cancún “marca um ponto de inflexão na dinâmica interna da OMC onde, tradicionalmente, o que era decidido pelas grandes potências comerciais era visto como o consenso inevitável. (...) As postulações da maior parte da humanidade não puderam ser ignoradas. As negociações se processarão de maneira mais equilibrada e menos unilateral”. Isso ocorreu “Graças a um esforço conjunto de 22 países em desenvolvimento, coordenados pelo Brasil, do qual participaram países grandes e pequenos de três continentes” (Amorim, 2003). Essas declarações indicam que a Conferência de Cancún pode ter representado o momento inaugural da proposta do governo Lula de adensamento do diálogo e das parcerias Sul-Sul em busca de uma mudança da geografia comercial e política do mundo favorável aos países em desenvolvimento. A convergência entre Brasil, Índia e China permitiu que esses países liderassem uma coalizão, a qual, mais tarde, ficou conhecida como G-20 e concentrou sua atuação em agricultura: tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha.
Da perspectiva do atual governo, a cooperação Sul-Sul não substitui o relacionamento com os EUA e a União Européia, mas representa uma oportunidade de ampliação do comércio exterior. O governo avalia que a proporção atual do comércio do Brasil com os EUA e a União Européia já teria alcançado um valor limite a partir do qual os incrementos seriam apenas marginais. Ao contrário, os novos mercados do Sul apresentariam grande potencial por serem economias com complementaridades naturais.

As expectativas do Brasil e o IBAS
As mudanças implementadas nas políticas externas sul-africana e brasileira a partir dos anos 1990 tem sido acompanhadas por diplomatas e acadêmicos. A África do Sul e o Brasil são grandes países em vias de desenvolvimento e estão se posicionando como potências regionais, constituindo espaços qualificados e pólos específicos nos marcos de um sistema multipolar.
Em 2003, iniciou-se o estreitamento das relações entre os países IBAS. Este constituiu um encontro pioneiro de três países com democracias vibrantes, de três regiões do mundo em desenvolvimento e atuantes em escala global, com o objetivo de examinar temas da agenda internacional e de interesse mútuo. Nos últimos anos, notou-se a importância e a necessidade de diálogo entre países e nações em desenvolvimento do Sul. Estes três países representam as maiores democracias em cada continente (ou subcontinente) e que juntos representam uma população de 1,25 bilhão de pessoas.
A primeira reunião do IBAS em junho de 2003, que reuniu os chanceleres do Brasil (Celso Amorim), da África do Sul (Nkosazana Dlamini-Zuma) e da Índia (Yashwant Sinha), refletiu a amplitude da proposta. A agenda estava tenuemente delineada em torno de algumas matérias: a análise dos desdobramentos recentes da conjuntura internacional e o papel das Nações Unidas nesse contexto; temas sociais (combate à fome e cooperação Sul-Sul); negociações econômicas e comerciais, inclusive entre países em desenvolvimento; e coordenação em organismos multilaterais. Como resultado principal, a Declaração de Brasília, documento originado do encontro, apontava a criação de uma Comissão Mista para uma discussão mais aprofundada destes tópicos e ainda recomendava uma reunião de cúpula envolvendo os chefes de governo dos países envolvidos, que veio a ocorrer em 2006. As palavras da Ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, Nkosazana Dlamini-Zuma, ao final do encontro poderiam ser universalizadas como sendo a opinião pública geral a respeito de uma proposta que, de fato fora exageradamente alardeada, considerando-se sua incipiência e grau de dificuldade, mas que, no entanto, poderia ser viável.
Para o governo Lula, o G-3 tem, hoje, mais importância política que comercial, uma vez que o intercâmbio comercial com a Índia e África do Sul ainda é relativamente baixo. Contudo o apoio político destes países pode ser fundamental para que a política externa brasileira alcance objetivos importantes como a questão dos subsídios agrícolas na OMC.

Cenário Interno e estabilidade política
Os anos 2001-2005 assistiram a uma vitória política significativa no Brasil: a chegada do PT ao Poder Executivo pela primeira vez em sua história. Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o Executivo após vencer as eleições de 2002. A partir de 2004, as mudanças dentro do PT se fizeram mais notáveis, o período foi de grandes transformações para o Partido dos Trabalhadores (PT), o maior partido de esquerda brasileiro. Lula[1] desde o primeiro momento, foi contrário à política externa “presidencial” adotada por FHC, defendendo uma atuação independente e a serviço dos interesses da nação brasileira, coordenada pelo Itamaraty. Anunciou a disposição de contribuir para a democratização do processo de tomada de decisões neste âmbito, ao mesmo tempo em que priorizou a integração via Mercosul.
Sobre a Alca, mostrou-se preocupado com “os gravíssimos problemas que geraria para a região um acordo de livre comércio tal como o proposto pelo governo dos Estados Unidos em 1994”. Sua preocupação levava em conta “a grande assimetria existente entre os países e a falta de recursos e políticas tendentes a eliminar as grandes desigualdades socioeconômicas entre as regiões e os países”.
Como alternativa à proposta da ALCA, o então candidato do PT anunciou a disposição de aprofundar as negociações com os países da Comunidade Andina de Nações, ressaltando que o Brasil, “pela sua natureza de país continental que tem fronteiras com quase todos os países da América do Sul, tem condições de influir positivamente no processo de construção de blocos regionais, visando a objetivos de desenvolvimento e de democracia”.
O Governo Lula tem procurado demonstrar que os objetivos da diplomacia brasileira podem ser a um só tempo, universalistas e firmemente ancorados em nossa prioridade sul-americana. É este o espírito com que iniciativas inovadoras têm sido lançadas, como o foro trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul (IBAS).

Negociações Internacionais e o Processo de Integração
A OMC é uma organização internacional fundada em 1995, com o objetivo de coordenar e administrar as regras do comércio internacional. Sua principal origem é o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), assinado em 1947 por um pequeno grupo de países interessados na liberalização do comércio mundial pela gradual eliminação de tarifas e barreiras não tarifárias, dentre os quais o Brasil.
A maior fragilidade econômica da América do Sul tornou o continente mais suscetível às pressões das grandes potências nas instituições de crédito internacional e nas negociações da Rodada Uruguai do GATT. O modelo do Estado desenvolvimentista entrou em colapso, sob fogo cerrado de diversas direções. O FMI e o Banco Mundial impunham como condicionalidades de empréstimos a abertura da economia e a privatização. Os acordos comerciais também impossibilitavam antigas salvaguardas de proteção à indústria e à agricultura, ao mesmo tempo em que colocava em questão a liberalização dos promissores mercados de serviços, nos quais os sul-americanos eram pouco competitivos.
Desse modo, a guinada para um modelo de integração baseado no “regionalismo aberto” dá-se em um quadro de intensa fragilidade internacional. A política externa brasileira volta-se para a América do Sul em busca de uma área de atuação que lhe permita enfrentar melhor a competição crescente.
A criação do Mercosul não deve ser considerada como uma ação diplomática isolada, mas sim, como o resultado de um processo longo de se aproximar os países: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Na década de 1970, percebe-se que diversas barreiras de natureza política e econômica inviabilizaram o aprofundamento do processo de integração na América Latina, nota-se que um bom exemplo foi à questão entre Brasil e Argentina sobre o aproveitamento dos recursos hídricos da Bacia do Prata que durou anos.
A diplomacia brasileira incluiu em sua agenda um projeto mais claro de construção de uma liderança regional articulado à segurança regional, à defesa da democracia, aos processos de integração regional e às perspectivas de desenvolvimento nacional.
A participação brasileira nas Forças de Paz do Haiti também se vincula às iniciativas brasileiras de consolidar sua liderança na região e reforçar a cooperação sul-sul. Neste caso, Brasil lidera uma força de imposição de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) composta por tropas de diversos países da região.
A liderança do Brasil na América do Sul é um tema delicado e tem sido freqüentemente abordado na literatura acadêmica. Quando se trata da estabilidade e do equilíbrio do continente, a importância do Brasil é incontestável. Quando, no entanto, o enfoque passa a ser o de contribuir para a maior integração econômica, social e cultural da região.
A atuação brasileira nesta área conviveu também com algumas tensões. A partir do incremento de sentimentos nacionalistas, alguns países vizinhos reivindicam concessões brasileiras no campo econômico. A nacionalização dos hidrocarbonetos levada adiante pelo governo boliviano, embora tenha afetado a Petrobrás, foi digerida pelo governo brasileiro e a diplomacia adotou uma posição pragmática. A ascensão do governo de Hugo Chávez na região com um projeto alternativo de liderança coloca um dilema para a política externa brasileira: como incluir a Venezuela no projeto brasileiro de integração e evitar que o presidente Chávez defina o ritmo do processo.
A necessidade da diplomacia brasileira de conviver com um dirigente também com pretensões de construção de liderança na região – com divergências de interesses e estilo, e com percepção e compreensão diferenciadas do cenário regional – pode dificultar a construção de uma aliança política mais sólida. Por fim, o Brasil expandiu seu comercio e investimentos em regiões do Sul. Combinou política e economia em perspectiva Sul-Sul com bons resultados.
O Brasil dos últimos cinco anos ganhou mais notoriedade internacional, virou-se com clareza para a sua própria região em um movimento que fortaleceu as instituições regionais, ao mesmo tempo em que não deixou de ampliar suas parcerias pelo mundo. As ambições brasileiras são muitas, e em várias ocasiões essa nova disposição gerou atritos com os seus parceiros mais próximos. Entre os mais importantes, estão os membros do Mercosul, em que é preciso cautela, no sentido de manter a dedicação necessária à continuidade do movimento de integração. Os desenvolvimentos observados parecem confirmar as escolhas da política externa brasileira, com a prioridade que ela deu desde o início do governo Lula à integração da América do Sul. Os defensores dessa política não precisam fazer muito esforço para apontar os avanços alcançados nessa direção. Nas palavras do mais autorizado dentre eles:

O crescimento das exportações do Brasil para a América do Sul no primeiro semestre de 2006 em relação aos seis primeiros meses de 2002 foi de 258%. Para o conjunto da América Latina, 220%, para o Mercosul, 332%. Um país que fez acordo com os EUA, como o Peru, importou 139% mais do Brasil este ano. No caso da Colômbia, que é muito ligada aos americanos, o aumento foi de 95% (O Globo, 2006). [2]

Não podemos dizer que os números absolutos por trás dessas taxas de crescimento são inexpressivos: em 2005, as exportações do Brasil para os países membros da ALADI (Associação Latino Americana de Integração) ultrapassaram a marca dos 25 bilhões de dólares, correspondendo a mais de 21% das exportações totais do país, 2% a mais do que a participação dos Estados Unidos.
Com a integração da infra-estrutura física, as medidas de facilitação do comércio e o entrelaçamento crescente entre as economias da região, a América do Sul tende a se constituir como um mercado cada vez mais importante para as exportações brasileiras, diminuindo significativamente o risco para o país de bloqueios eventuais nos processos de negociação em que está engajado. Mas na América do Sul, também, os ventos são de mudança, e a mudança em curso no subcontinente cria novas oportunidades, mas igualmente novos desafios para os projetos generosos de integração.
Reforçar o Mercosul significa atrair os países andinos para dentro do acordo, estreitar os laços com a União Européia, expandir o comércio com a China, a Índia, com a Ásia de um modo geral, com a África do Sul e com todos os países onde haja espaço para crescer.

Conclusão
O IBAS é uma coalizão Sul-Sul emblemática, pois é constituída por três países em desenvolvimento indicados pela literatura como pertencentes a qualquer das inúmeras categorias destinada a expressar a noção de condição intermediária no sistema internacional – potências regionais, potências médias, países intermediários ou mercados emergentes. Esta especificidade possibilita avaliar o perfil, as bases da formação e as potencialidades de uma coalizão "entre potências médias do Sul".
O IBAS é importante a fim de que seja mantida a retórica desenvolvimentista, já que em termos internacionais, o componente político de suas relações externas vem sendo cada vez mais associado à diplomacia econômica, em função do processo de globalização.
A política externa do governo Lula evidencia, com clareza, que a diplomacia não se deve resumir ao comércio internacional. A variável comercial, contudo, tem sido cuidadosamente acompanhada e implantada em novos setores - aumentando os meios financeiros e outros destinados ao seu desenvolvimento - em conexão com os demais temas da agenda internacional, tais como a responsabilidade do Brasil em face à segurança internacional e regional, a continuação e adensamento do amplo campo de cooperação internacional, no plano bilateral, regional e multilateral, no desenvolvimento de políticas e práticas de concertamento diplomático em vários campos, numa abrangência do que se define por agenda internacional.
Desta forma, o balanço da política externa brasileira sob a condução do Presidente Luis Inácio Lula da Silva é positivo. E isso porque o esforço adaptativo tem sido conduzido com base no reconhecimento de um legado histórico a partir do qual se redefinem prioridades e instrumentos. Portanto, os elementos novos da política externa do Governo Lula não devem ser caracterizados ou reduzidos a simples mudança de estilo associada à inegável disposição à assertividade. Seus elementos substantivos mais destacados não são realmente inéditos. Mas a forma com que objetivos, prioridades e instrumentos são revistos e reorganizados resulta em um perfil efetivamente distinto dos governos anteriores, mesmo sem necessariamente incorrer em rupturas ou grandes inovações.

[1] Entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva a Política Externa, vol. 11, n. 2, setembro - novembro, 2002.
[2] Entrevista concedida pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, ao jornal O Globo, 29/10/2006.


* Tema Final proposto para a disciplina de “Relações Sul-Sul” do curso de RI.
** Aluno do Curso de RI do PT. Gestor de TI. Membro da Executiva Municipal do PT de Simão Dias/Sergipe.


Referências Bibliográficas
AMORIM, Celso. “Discurso do ministro de Estado das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim”. Por ocasião do Dia do Diplomata. Brasília, 18/9/2003.

GONÇALVES, J. B. Mercosul após 2002: Propostas a partir de um testemunho pessoal. Em Clodoaldo Hugueney Filho e Carlos H.Cardim (orgs.) Grupo de Reflexão Prospectiva sobre o Mercosul. IPRI/FUNAG, Brasília.

MACHADO, João Bosco. MERCOSUL: processo de Integração – Origem, Evolução e Crise. 8 ed.. Rio de Janeiro: FUNCEX, 2000.

Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional – I CNPEPI. O Brasil no mundo que vem aí. Rio de Janeiro: Fund. Alexandre de Gusmão, 2006.

Conferência Nacional de Política Externa e Política Internacional - II CNPEPI. Seminário América do Sul. Brasília: Fund. Alexandre de Gusmão, 2007.

Maria Regina Soares de Lima e Marcelo Vasconcelos Coutinho. A Agenda Sul-americana: Mudanças e Desafios no Início do Século XXI. Brasília: Fund. Alexandre de Gusmão, 2007.

IBSA. Disponível em: http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1938&Itemid=351. Acessado em 02/12/20008.

Vários Autores. O Brasil e a América do Sul: desafios no século XXI. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, 2006.

A Crise do Sistema Capitalista Norte Americano e suas conseqüências econômicas

A Crise do Sistema Capitalista Norte Americano e suas conseqüências econômicas*
Paulo Roberto Daltro de Carvalho**


Resumo
Quem tem acompanhado a nova manifestação da crise geral do capital em suas dimensões econômicas, sociais e políticas, tendo por epicentro basilar os EUA, voltou a conviver com o fantasma da crise iniciada em 1929: o crash financeiro, o suicídio, a depressão econômica, o desemprego, a fome, a corrupção, o fascismo e a guerra mundial. Diante deste fato, o problema que se impõe a todos que sofrem a opressão ou contestam o capitalismo é: o que fazer?


Palavras-chave: Economia Internacional; Política Internacional; Sistema Capitalista; Estados Unidos.


Introdução
As causas objetivas da crise vigente, intrínsecas ao próprio curso da acumulação do capital, têm suas particularidades na presente etapa. A aplicação das políticas neoliberais desatou um imenso volume inimaginável de capital fictício, que passou a atuar intensamente sobre a esfera da produção.
Em resumo, a realidade mundial é caracterizada, por um lado pela ofensiva imperialista e dominância neoliberal e, por outro, pela resistência crescente dos povos e nações em vários níveis e pelo surgimento entre os países em vias de desenvolvimento de pólos e blocos contra-hegemônicos, pela rápida ascensão econômica da China e pela recuperação da Rússia e de outros pólos dinâmicos na chamada periferia do Capitalismo. Também nessa situação global, se destacam importantes fracassos da ofensiva do imperialismo norte-americano nas suas guerras de ocupação e domínio. Essas tendências globais já vêm conformando um processo contraditório que indicam a existência de um mundo em transição, que expressa no conjunto um quadro mundial de declínio relativo da hegemonia unipolar dos EUA.

A Crise financeira e econômica do capitalismo
É natural que setores das oligarquias financeiras, por inércia ideológica e volume do seu capital, não admitam o desmoronamento, em tão pouco tempo, do mundo projetado: de ditadura do pensamento único neoliberal, de democracia política como valor universal e de unipolaridade mundial, sob a hegemonia dos EUA. Destes se podem esperar tão somente soluções de alto risco para toda a humanidade. Assim, cabe aos setores mais conscientes em todas as partes do mundo a habilidade necessária para conduzir este processo de transição da forma histórica da sociedade, em todos os seus aspectos fundamentais, capaz de superar esta pré-história no desenvolvimento humano. Mas exatamente neste momento de ruptura de paradigmas no sistema capitalista, a ausência de uma formação socioeconômica consolidada e de um movimento mundialmente organizado com visão estratégica para toda humanidade e força capaz de dissuadir ações da reação imperialista, se faz ressentir mais que em qualquer outro momento da história, projetando assim um novo período de grandes comoções políticas e sociais e o perigo de uma catástrofe mundial e humanitária.
Em uma matéria[1] publicada para promover seu novo livro acabado de publicar: “A Guerra dos Três Mil Milhões de Dólares”, os cientistas Stiglitz e Linda Bilmes da Universidade de Harvard, calculam que a guerra de Bush no Iraque custou só aos EUA, três trilhões de dólares. Neste estudo estão apenas incluídos os gastos bélicos diretos que se refletem no orçamento. Mas, para se chegar ao custo real, deve-se acrescer ainda os custos propriamente econômicos, que são calculados com base nos efeitos macroeconômicos e econômico-planetários da guerra, em pelo menos mais 3 trilhões de dólares. Segundo os dois cientistas, este montante total de 6 trilhões de dólares, que equivale aproximadamente ao valor de todas as reservas de ouro e divisas mundiais, é uma estimativa conservadora. Todos os meses os EUA precisam desembolsar mais de 16 bilhões de dólares em custos correntes para as guerras do Iraque e do Afeganistão, além dos 439 bilhões de dólares do orçamento de defesa. Com a privatização da guerra, 180.000 mercenários das empresas de segurança contratados para o Iraque pelo Pentágono custam, em média, dez vezes mais do que custa um G.I. regular (soldados de infantaria) – 400.000 dólares por ano, contra 40.000.
O aparato militar bélico e repressivo não impulsiona apenas a falência do império dos EUA, ele também explica a base fundamental e a essência da crise do capital que se tornou visível nas últimas 4 décadas (1973, 1980, 1989, 1998 e 2007) elevando-a da condição de crise do modo de produção social para uma crise ambiental que ameaça a vida no planeta. A crise energética, que se anunciou em 1973, não foi uma crise – como muitos pensavam – refletindo apenas as contradições sociais da política de monopólio dadas à nova composição da OPEP em função das transformações políticas no mundo árabe. Ela, sobretudo, enunciou as novas condições técnicas e de valor na composição orgânica do capital (a relação entre capital variável e capital constante - homem/máquina) que a guerra-fria (a corrida armamentista e aeroespacial) aportaria à economia mundial, dando lugar à revolução informacional, como expressão máxima do que se convencionou chamar revolução científico-técnica.
Em um outro ângulo podemos analisar a importância da estrutura militar na crise geral do sistema: como setor dinâmico de alto custo que, diante do fim da guerra-fria exige sua realização, revelando-se como crise de superprodução de equipamentos militares e de alta tecnologia. Neste contexto, os produtos tecnológicos do complexo industrial-militar se transplantam para toda a economia, com eles a revolução informacional, elevando a capacidade produtiva do sistema a uma escala planetária e, dialeticamente, às contradições que negam sua base material de existência social: o valor-trabalho e a contradição capital-trabalho; impulsionando o declínio da taxa de lucros, o crescimento da superpopulação relativa (exército industrial de reserva), logo a manifestação da Lei Geral da Acumulação Capitalista.


A situação econômica mundial e sua crise atual
A crise econômica mundial atual, iniciada pelo estouro da bolha imobiliária no setor de hipotecas subprime nos EUA – empréstimos de alto risco – em termos de economia nacional o estímulo ao crédito e ao consumo implica estímulo à produção. E quando este estímulo ou facilitação de crédito se volta prioritariamente para o setor imobiliário e da construção civil, isto indica que os demais setores da economia já haviam chegado ao limite. O desdobramento natural deste processo é, por um lado, o crescimento artificial do consumo e, conseqüentemente, da produção que nas condições atuais de globalização, vai sempre além dos limites absolutos de consumo da sociedade e formando bolhas financeiras e dos movimentos especulativos até explodi-las como ocorreu recentemente. Não necessitamos dizer que a especulação sobre os títulos de hipoteca, seja pelos bancos, seja pelos fundos de hedge, no mercado derivativo inflou os valores dos imóveis, logo a representação de valor dos mesmos nas bolsas. E também que o valor das ações das empresas do setor e relacionadas ao mesmo, igualmente sofreram esta deformação, reduziu o valor real de todas as empresas que detinham os títulos e, finalmente, que toda a economia americana sustentou o prolongamento do seu ciclo com base nesta espécie de bolha de todas as bolhas.
Quando passou-se a registrar o crescimento da inadimplência das pessoas físicas, durante o ano de 2007, resultando na perda de um milhão de moradias, a elevação da taxas de juros logo denunciou a crise. O freio no crédito com a alta dos juros, aprofundou a falência das pessoas físicas, logo refletindo a queda na demanda por imóveis e a queda no valor dos mesmos, desencadeando a falência das empresas mais comprometidas diretamente com o processo das hipotecas. Então os fundos de hedge descarregam sua posição em títulos imobiliários e a bolha estoura e com ela começam a estourar uma a uma as bolhas nos diversos setores.
O crash das bolsas em todo o mundo, segundo as notícias que oscilam todos os dias, já torram cerca de 50% da montanha de capital fictício em circulação atualmente. Este montante ultrapassa em mais de três vezes o valor do PIB mundial, ou seja, 167 trilhões de dólares; isto fora o mercado derivativo mundial, a praia dos hedges funds, estimado em um valor entre 9 a 10 vezes maior que o PIB mundial de 54,3 trilhões de dólares. Para os mais otimistas, com base nos pacotes baixados pelos governos dos EUA, França, Inglaterra, Alemanha, Japão, Espanha, Rússia, a soma pode chegar a 4,4 trilhões de dólares. Isto pode representar por um lado, a expansão da base monetária ainda maior em contradição à recessão mundial prevista por todos os países diante da retração dos investimentos produtivos, que segundo o relatório da ONU apresentado em maio de 2008. Neste ano o PIB será de apenas 1,8% e para 2009 em torno de 1,4%. Os Estados Unidos seu PIB cairá para -0,2% já em 2009 chegará no máximo a 0,2%. Da queda do consumo global, enfim, configurando-se o movimento de descenso do ciclo econômico mundial. Por outro lado, deveremos ter a futura guerra comercial e financeira entre os países mais desenvolvidos no capitalismo e destes com os países ditos “emergentes”, a deflação das moedas e dos preços das commodities, para através das importações manterem a atividade econômica, ao passo que os preços dos alimentos continuarão a sofrerá aumento. A OIT divulgou um relatório em que chama atenção para a taxa de desemprego que crescerá, estimando o total de perdas de postos de trabalho em 20 milhões e aumentando para cerca de 100 milhões o número dos que recebem até um dólar por dia; a FAO divulgou relatório chamando atenção para o crescimento da fome e pobreza mundiais. O recente relatório da OCDE já aponta que as desigualdades aumentaram de 7% a 8% em relação aos anos 1980, e a quantidade de pobres de 9,3% para 10,6% no conjunto da população, enfim, a crise social se ampliará e com ela as crises políticas em todos os países.
Entretanto, nada disso foi capaz de propiciar a estabilidade ao sistema ou impedir suas crises cíclicas, muito menos vencer as contradições basais do capital e as novas contradições que brotam neste momento histórico, cujas características principais Lênin em síntese definiu:

Se fosse necessário dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo. (...) Os monopólios, a oligarquia, a tendência para a dominação em vez da tendência para a liberdade, a exploração de um número cada vez maior de nações pequenas ou fracas por um punhado de nações riquíssimas ou muito fortes: tudo isto originou os traços distintivos do imperialismo, que obrigam a qualificá-lo de capitalismo parasitário, ou em estado de decomposição. Cada vez se manifesta com maior relevo (...) a formação de “Estados” rentiers, de Estados usurários, cuja burguesia vive cada vez mais à custa da exportação de capitais e do “corte de cupões”. Seria um erro pensar que esta tendência para a decomposição exclui o rápido crescimento do capitalismo. (LÊNIN, 1981. p. 664).

Marx ao explicar a crise do capital afirma: “A razão última de todas as crises reais é sempre a pobreza e a restrição ao consumo das massas em face do impulso da produção capitalista a desenvolver as forças produtivas como se apenas a capacidade absoluta de consumo da sociedade constituísse seu limite.” (MARX, 1988. p. 24). O Estado passa a intervir na economia – com relativa freqüência – nas transações privadas e coletivas, causando espécie à sociedade e ao empresariado brasileiro planejando-a e regulando-a através de políticas (tributária, fiscal, monetária e salarial) e de investimentos (na seguridade social e infra-estrutura), visando equilibrar os desníveis entre produção e consumo.


A Crise imperialista e suas guerras e luta de classes pelo mundo
O capitalismo vive um movimento contraditório: ele completa o seu domínio mundial sobre povos, nações, espaços, modos de produção e atividades num processo não de boom sistemático, mas de crise e contração recorrentes. A verticalização toma o lugar da horizontalização, que encolhe a produção efetiva e o mercado e a exclusão substitui a inclusão, tudo isso na forma de organizar o trabalho e a produção no interior da relação trabalho-capital no seu estágio atual, após a crise do fordismo e da social-democracia e a emergência da reestruturação produtiva e seu corolário político, o neoliberalismo. Por isso, trata-se de uma crise só, ao longo da qual existem momentos para cima e para baixo, mas sempre em torno de uma linha média de crise e de contração de longo prazo — uma crise diferente das anteriores, fruto de um estágio de saturação objetiva dos pressupostos da produção e do mercado. A ativação da acumulação pela via fictícia, o inusitado desemprego mundial que faz o consumo retrair-se ao extremo, bem como a recorrência aos incentivos políticos à produção são, apenas, algumas, entre muitas outras provas, de que esses pressupostos estão a sofrer um processo de exaustão.
Esta crise, com as características de um sistema financeiro globalizado, gigantesco, desregulado e indomável, reduzindo a demanda social solvente, como acaba de acontecer nos EUA, e reforça os graves problemas sociais em todo o mundo. Com isso, se encontram a crise de superprodução e a crise financeira, formando uma só crise universal.
Trata-se de uma crise de superprodução generalizada clássica, mas é mais do que isto: é uma crise diferente de todas as crises antecedentes, pois se trata de um estágio em que o capitalismo devasta, sem cessar, suas próprias bases de existência e acumulação ampliada, tudo isso em escala mundial crescente; uma crise de início e aceleração do esgotamento da própria ordem do capital, do modo de produção capitalista, que teve de cumprir a mais plena evolução e mundialização imperialista para finalmente produzir suas próprias barreiras, além das quais só pode contrair-se.
A prolongada crise atual, conjugada com o acirramento das contradições e da rapina postas em ação pelos principais países e grupos de capitais imperialistas, agravada pela destacada arrogância dos capitais e do Estado dos EUA em manter-se à testa de todo o sistema capitalista mundial, tem arrastado o globo terrestre para sombrias perspectivas. O que aconteceu a 11 de setembro em New York também é resultado — e não causa — de tudo isso. Por outro lado, a devastação, por um bombardeio sistemático, que os EUA e nações aliadas praticaram no Afeganistão, sob a farsa de que se trata de uma cruzada das forças “do bem” contra as do “mal” (Bin Laden e Cia.), não passa de uma farsa a esconder toda uma estratégia de ocupação e dominação cabal do imperialismo sobre todas as regiões do globo como o próprio Afeganistão, país que se situa no centro das maiores reservas de petróleo do mundo.


Conclusões
A crise política ameaça jogar por terra a hegemonia mundial dos EUA e seu sistema imperial. Ninguém se iluda quanto ao caráter desta crise, ela é uma crise geral do modo de produção capitalista, que retoma o processo de transição histórico da sociedade para um novo modo de produção, ainda não delineado em todos seus contornos, exigindo a intervenção dos sujeitos históricos, como classes sociais cônscias, para além da tragédia humana – guerras, caos econômico e social, catástrofes geológicas e climáticas que acompanham o processo. Faz-se necessário o trabalho e o esforço incansável na edificação de um modo de produção e vida mais elevado, justo e solidário para todos.
Os papéis nos Estados Unidos e na Europa caíram em média mais de 25%. A desvalorização mensal acumulada em outubro na maioria dos principais mercados do mundo será uma das maiores já testemunhadas por qualquer pessoa ainda viva. Até agora a crise fez a bolsa de valores de São Paulo cair em cerca de 54%, várias empresas perderam em torno de US$40 bilhões aplicados em títulos de hipotecas nos EUA e tantas empresas e bancos afundaram. A moeda brasileira se desvalorizou cerca de 40% frente ao dólar, elevando a dívida indexada na moeda americana e comprometendo a capacidade de pagamento do país, aumentando o índice do risco-país que acarretará na queda dos investimentos externos, afetando a agricultura, a construção civil e a indústria automotiva, elevando o desemprego, a inflação e a carestia.
O Brasil necessita urgentemente de um caminho alternativo, uma integração que tenha como objetivo trocas iguais de mercadorias. Para tudo isto é necessário pensar geopoliticamente o país em termos da articulação de um sistema de defesa continental contra o imperialismo.
A crise é mundial, estrutural e não é um parênteses que será fechado em breve. Não podemos, após esta crise, continuar a governar o mundo com os mesmos instrumentos, instituições e idéias do passado.



Referências Bibliográficas
ABREU, H.B. As novas configurações do Estado e da Sociedade Civil. Capacitação em Serviço Social e Política Social. Brasília: CFESS/ABEPSS/CEAD/UNB, 2000.

BEINSTEIN, J. - Capitalismo Senil - A Crise da Economia Global. São Paulo: Editora Record, 2001.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

LÊNIN, V.I. Imperialismo fase superior do capitalismo. São Paulo: Global Editora, sexta edição, 1991.

LUXEMBURGO, Rosa. A Acumulação do Capital: contribuição ao estudo econômico do
Imperialismo. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. Endividamento externo da economia dos Estados Unidos (1980-2004): uma interpretação kaleckiana. São Paulo: Simpósio de Pós-Graduação em História Econômica na USP, 2008.

[1] http://drauziomilagres.blogspot.com/2008/02/custo-da-guerra-de-bush-us-3-trilhes.html


*Tema Final proposto para a disciplina de “Economia e Política Internacional” do curso de RI.
**Aluno do Curso de RI do PT. Gestor de TI. Membro da Executiva Municipal do PT de Simão Dias/Sergipe

Política Externa Brasileira e a Integração Regional na Era Lula: Análise Paradigmática

Política Externa Brasileira e a Integração Regional na Era Lula: Análise Paradigmática*
Paulo Roberto Daltro de Carvalho**
Resumo
A política externa representada pelo governo Luís Inácio Lula da Silva tem chamado a atenção de observadores e estudiosos do mundo inteiro, em vista de vários aspectos inovadores em sua formulação e execução. Através deste trabalho buscamos identificar quais as continuidades e transformações da política externa brasileira dos governos mais recentes. Utilizaremos alguns conceitos para compreender melhor o paradigma realista das relações internacionais.


Palavras-chave: Relações Internacionais; Política Externa; Lula.


Introdução
Tanto o estudo das relações internacionais quanto da política externa brasileira passa necessariamente por construções teóricas feitas a partir da noção de paradigma. No plano mais geral foram elaborados paradigmas de análise teórica das relações entre as nações buscando estabelecer elementos e características constantes a estas interações.
Em um breve histórico do balanço mundial de poder no século XX desde o mundo multipolar que caracterizou a primeira metade do século até o mundo unipolar, sob hegemonia dos Estados Unidos, que marcou a sua última década, passando pelo mundo bipolar o cenário externo foi modificado com o fim da Guerra Fria entre americanos e soviéticos que deu o tom das relações internacionais e tendo por conseqüência o término do sistema de poder baseado na bipolaridade. Estes acontecimentos são também considerados por estudiosos como elementos referenciais de política internacional. A disputa ideológica entre comunismo e capitalismo agora abre suas portas para as discussões e entraves econômicos, sem falar de temas como direitos humanos, meio ambiente, narcotráfico e competitividade internacional que passam a ocupar lugar de destaque no cenário internacional. Apesar de representarem uma importante mudança no eixo de discussão das questões internacionais, o caráter anárquico, oligárquico, hierárquico e seus conflitos de interesses nacional são mantidos como características estruturais do sistema internacional. Estaríamos testemunhando o início do fim da hegemonia americana e a formação de um mundo multipolar embora a hegemonia militar americana continue firme.
O Brasil do governo Lula, se inclui neste contexto de mudanças e continuidades. Há uma grande concepção da internacionalização da economia brasileira e adesão às regras e normas internacionais. Estes – praticamente - seis anos do governo Lula marca a política externa brasileira na economia global.


O realismo político e a análise das relações internacionais
Estudos mostram que o realismo político é o paradigma que mais se desenvolveu nos últimos cinqüenta anos, aproximadamente depois do final da Segunda Guerra Mundial. No entanto, autor clássico como Nicolau Maquiavel deu as primeiras bases do que foi e tem sido a perspectiva que predomina as explicações da teoria das relações internacionais.
Um dos elementos identificador e fundamental do realismo é que seus executores consideraram os homens, as relações sociais e os países com eles são e não como gostariam que fossem. O Estado-Nação é colocado como centro da reflexão, agindo racionalmente e tem suas ações guiadas pela busca do poder e pelo uso de forças bélicas.
O realismo político é conceituado através de alguns princípios básicos. Primeiro, a política é governada por leis objetivas e a possibilidade de desenvolver uma teoria racional reflete de maneira imperfeita estas leis. O segundo princípio é o conceito de interesse entendido como poder. Este conceito faz a ligação entre a razão que tenta entender a política internacional e os fatos, coloca uma ordem racional no problema da política. Desta forma, o terceiro princípio propõe que o conceito de interesse seja analisado como categoria objetiva válida universalmente. Mas, o tipo de interesse depende do contexto político e cultural de cada nação que compõe o sistema internacional. O quarto princípio trata do significado moral da ação política. Valores morais universais não podem ser aplicados aos atos dos Estados. É importante lembrar também que nações são entidades políticas defendendo seus interesses. Desta forma, o quinto princípio considera que as aspirações morais de uma nação não podem ser consideradas como preceitos que governam o universo. Já o sexto princípio coloca a existência de uma autonomia da esfera política. As relações internacionais se definem por uma busca constante do poder, essa busca pode ser para mantê-lo, aumentá-lo ou demonstrá-lo.


Política Externa de Lula: mudança ou continuidade?
A política exterior representa para o governo Lula, assim como para governos anteriores, papel de destaque dentre as formulações das políticas governamentais. Um dos fatores que definiram o rumo da política externa brasileira foi à escolha de Celso Amorim para desempenhar a função de ministro das relações exteriores. Diplomata de carreira, Amorim sempre defendeu uma postura autônoma do Brasil nos foros multilaterais. Tanto o Ministro Celso Amorim, como seu principal auxiliar, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, onde juntos têm conduzido uma das fases mais dinâmicas da diplomacia brasileira em qualquer época histórica.
O Ministro Celso Amorim define a política externa do governo Lula como “ativa e altiva". Tem uma postura mais assertiva, defesa da soberania nacional e da igualdade com maior ênfase retórica. Celso Amorim acredita que a ação diplomática do governo Lula é concebida como instrumento de apoio ao projeto de desenvolvimento social e econômico do país. "É nacional sem deixar de ser internacionalista" (Amorim, 2005).
Sendo assim, o governo Lula representa uma combinação de continuidade e mudança. Muitas das políticas de integração regional e aos mercados internacionais iniciadas no governo anterior estão tendo continuidade no governo Lula, em termos de ação junto à esfera econômica não há mudança substancial. A maior ruptura é, talvez, representada pelo estilo de ação política do governo Lula, mais enfático e atuante no cenário internacional.
Para o diplomata de carreira, Paulo Roberto de Almeida as mudanças mais significativas na postura externa do Brasil e em algumas linhas de sua política externa ocorreram, obviamente, ao longo do primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), com novas ênfases e alianças preferenciais, uma nítida mudança no discurso e na forma de se fazer diplomacia, talvez mais do que em sua substância, com algumas correções de estilo e também de prioridades ao início do seu segundo mandato e conclui: “Mesmo que a maior parte da sua agenda diplomática tenha apresentado mais elementos de continuidade do que de ruptura com a política anterior, alguns elementos inovadores devem ser destacados como identificadores das novas ênfases e prioridades” (Almeida, 2004).
A política externa do governo Lula é definida por José Flávio Sombra Saraiva como realista, universalista e pragmática. "Lula fez, assim, uma correção de rumos que foi solicitada por aqueles que ao o elegerem, também reivindicavam um modelo de inserção que fosse menos vulnerável para o Brasil e mais autônomo e desenvolvimentista" (Saraiva, 2005). Além disso, um dos pontos positivos da diplomacia do governo Lula é que não está mais tão centralizado na figura do presidente da república como era durante os mandatos anteriores. A diplomacia presidencial foi substituída por uma diplomacia de interesses a serem defendidos com uma busca ativa de coordenação política.
A construção de um mundo multipolar parece ser de grande importância para a política externa do governo Lula. Visto o esforço de aproximação dos países da África, da Índia e China. As relações com os países do Mercosul e outros da América Latina também tem merecido atenção especial. Esta busca de parceiros independentes do mundo desenvolvido é, na maioria das vezes, uma continuidade de ações governo anterior, mas são impostas inovações conceituais e diferenças práticas. A maioria das ações do governo Lula, a exemplo de governos anteriores, situa-se na vertente das negociações comerciais internacionais e na busca de coordenação política com parceiros independentes do mundo desenvolvido.

Segundo o diplomata Paulo Roberto de Almeida acredita que o discurso político-partidário em temas de política internacional comanda a ação governamental, para ele, este é o eixo da política do governo Lula que mais se aproxima das formulações originais do seu partido o PT: “Em outros termos, é nas relações exteriores e na sua política internacional que o governo do presidente Lula mais se parece com o discurso do PT” (Almeida, 2004). O diplomata também acredita que no plano diplomático e econômico pode ser ressaltada uma postura essencialmente crítica quanto à globalização e à abertura comercial. Para o governo Lula, as relações com o FMI e o Banco Mundial serão mantidas apenas enquanto forem estritamente necessárias.
Almeida resume a atuação política da chancelaria de Lula da seguinte maneira: "No plano político, é evidente o projeto de reforçar a capacidade de ‘intervenção’ do Brasil no mundo, a assunção declarada do desejo de ocupar uma cadeira permanente num Conselho de Segurança reformado e a oposição ao unilateralismo ou unipolaridade, com a defesa ativa do multilateralismo e de um maior equilíbrio nas relações internacionais. No plano econômico, trata-se de buscar maior cooperação e integração com países similares (outras potência médias) e vizinhos regionais" (Almeida, 2004).
O Governo Lula foi uma importante etapa para a experiência democrática no país. De certa forma, o fato de um partido como o PT formalmente considerado de esquerda ascender ao poder nos insere em uma nova etapa do jogo democrático nacional. A chegada de Lula, ‘socialista’ de fato, pode dar fim a um pensamento político que excluía a chegada de novos grupos ao poder.


Revendo a Política Comercial do Governo Lula
Para Kjeld Jakobsen, ex-secretrário de Relações Internacionais do município de São Paulo, autor do livro: Comércio Internacional e Desenvolvimento: Do GATT a OMC – Discurso e Prática, diz que: “As idéias de abertura econômica e livre-comércio foram bem aceitas pelos países que desenvolveram seu parque industrial e buscavam novos mercados a partir do século XIX. No entanto, em relação a estes mercados, os países exportadores aplicavam um liberalismo de via única. As colônias e os países asiáticos e latino-americanos participavam da divisão internacional do trabalho apenas como exportadores de produtos primários – minérios e produtos agrícolas – e como importadores de manufaturados. (...) Um dos principais motivos que fomentou o crescimento do ideal da independência no continente americano foi à busca da liberdade econômica, possível apenas com liberdade política. Os Estados Unidos foi a primeira colônia do mundo a alcançá-la e passaram por um desenvolvimento todo particular, até se tornarem a potência econômica e militar que é hoje. (...) Os acordos bilaterais assinados, quase sempre com a Inglaterra, geralmente incluíam cláusulas de redução de tarifas externas para as manufaturas inglesas como condição para a concessão de empréstimos. Com isso, o país credor ganhava um mercado cativo e a produção local de manufaturas não era estimulada. Assim, os recursos para pagar a dívida dos países latino-americanos ficavam dependentes de suas exportações de commodities, extremamente vulneráveis à quantidade que os países centrais compravam e aos valores que estavam dispostos a pagar. Quando havia retrações econômicas na Europa nessa época, o que levava seus países a diminuírem as importações, o efeito negativo era imediato na América Latina e nas colônias” ( JAKOBSEN, 2005).
Cabe ressaltar, em qualquer hipótese, que a diplomacia regional do segundo mandato do presidente Lula vem sendo conduzida por meio de procedimentos mais cautelosos, e bem mais realistas, do que tinha sido o caso no primeiro período. Com efeito, o entusiasmo com a causa da integração e as iniciativas políticas adotadas de maneira relativamente impetuosa na fase inicial logo se chocaram com realidades políticas distintas, em cada cenário sub-regional, e com fatores internos e externos de instabilidade política ou de “desalinhamento” em relação ao Brasil. O projeto mais ambicioso do Brasil, que era lograr a ampliação do Mercosul, como base tanto do exercício da liderança regional como da “resistência continental” à Alca, não conseguiu superar as mesmas dificuldades que já tinham paralisado o bloco desde a crise de 1999: diferenças de competitividade entre os membros e estruturas industriais não integradas e pouco complementares continuam a impedir o pleno funcionamento da união aduaneira a partir de uma tarifa externa comum uniformemente aplicada por todos. O Mercosul foi ampliado à Venezuela, mas sua adesão foi uma decisão de ordem essencialmente política, cabendo ainda serem de fato observados os prazos previstos no protocolo de convergência para sua plena incorporação ao regime aduaneiro comum e a todo o acervo de normas internas. Na verdade, o Mercosul não possui, a exemplo da antiga Comunidade Econômica Européia, um acquis communautaire que sirva de base à construção progressiva de um mercado comum: as diferenças não são apenas institucionais, mas também de ordem política.
De fato, o governo brasileiro entende que a defesa da liberalização constitui o principal denominador comum dos interesses dos países em desenvolvimento nas negociações de serviços e que é, a partir desse tema, que se pode criar uma “plataforma ofensiva” de negociação para esses países, que certamente será objeto de muitas demandas dos países desenvolvidos em outros modos de prestação de serviços. Deve ser lembrado, a propósito, que alguns países em desenvolvimento, como a Índia – parceiro essencial do Brasil no G-20 – estão entre os principais demandantes de liberalização na OMC.
A importância, na estratégia de negociações do Governo Lula, de considerações de política externa típicas do paradigma “globalista” não se evidencia apenas na revisão do modelo de negociações com os países do Norte, adotado nos anos 90, em que as negociações preferenciais desempenhavam papel relevante, senão central. Ela também se manifesta na “volta” à estratégia brasileira do componente de cooperação Sul-Sul.
De maneira geral, o Governo Lula tem sinalizado, nas negociações comerciais, uma continuidade com os eixos centrais da política econômica externa do Brasil herdada dos governos pós-abertura comercial no início dos anos 90. Nesse aspecto, destaca-se a tradicional prioridade conferida às negociações multilaterais, e uma aposta inequívoca no sentido estratégico do Mercosul e da integração regional na América do Sul, a despeito do aumento da fragilidade do bloco. Ao mesmo tempo, percebe-se uma sensível mudança na hierarquia das agendas de negociação hemisférica e inter-blocos. Ao contrário do Governo FHC, há uma manifestação de preferência explícita pela integração Mercosul-UE. É preciso impulsionar politicamente o acordo Mercosul-UE e que as dificuldades já são conhecidas de todos: as áreas de agricultura, serviços e serviços financeiros. Estas dificuldades de caráter técnico e econômico podem ser superadas com vontade política. Seu objetivo econômico nas negociações com a EU, reside, sobretudo, no acesso ao mercado europeu, em especial ao setor agrícola. As várias estimativas explicitam a possibilidade de ganhos derivados do acesso ao mercado agrícola europeu.

Conclusões
A política de concertação diplomática, realista, é hoje um campo possível, graças ao alargamento diplomático para com todos os países africanos, uma política posta em prática nos últimos quatro anos, que veio a substituir a chamada política seletiva: as mudanças de rumo lavadas a efeito pelo Itamaraty são positivas, mas ainda dependem do reforço da presença, diplomática brasileira, o que leva à necessidade de quadros.
O diplomata Paulo Roberto de Almeida do seu ponto de vista do conteúdo, a diplomacia do governo Lula apresenta uma postura mais assertiva, mais enfática em torno da chamada defesa da soberania nacional e dos interesses nacionais, assim como de busca de alianças privilegiadas no Sul, com ênfase especial nos processos de integração da América do Sul e do Mercosul, com reforço conseqüente deste último no plano político. Tudo isso não deve surpreender os observadores mais argutos, pois que essas propostas figuram nos documentos do PT há praticamente vinte anos, por vezes nos mesmos termos e estilo (até na terminologia) que os atualmente proclamados, coincidindo, portanto, com a política externa praticada pelo governo Lula.
Desta forma, acredita-se que o Brasil atua hoje, muito mais próximo do paradigma do Estado logístico do que os mandatos que precederam. É evidente que nem todas as características do Estado logístico estão plenamente implementadas, há ainda resquícios do Estado normal, levado a cabo no governo FHC. Por isso, entende-se que a política exterior do governo Lula, até agora, pode ser definida como um misto de continuidade e mudança da era FHC.


Referências Bibliográficas
ALMEIDA, P. R. Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, ano 47, no. 1, 2004.

AMORIM, C. L. N. Pelos Resultados. Entrevista concedida à Revista Carta Capital. 21 de fevereiro de 2005.

JAKOBSEN, KJELD. Comércio Internacional e Desenvolvimento: Do GATT a OMC – Discurso e Prática. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo. 2005.

SARAIVA, J. F. S. Dois anos da política externa de Lula. Artigo publicado no site: www.relnet.com.br.



*Tema Final proposto para a disciplina de “Teoria das Relações Internacionais” do curso de RI.
**Aluno do Curso de RI do PT. Gestor de TI. Membro da Executiva Municipal do PT de Simão Dias/Sergipe.